sábado, 15 de maio de 2010

CONFISSÕES DE UM PASTOR

Se déssemos uma boa olhada na história do povo evangélico no Brasil a uns cinqüenta, quarenta ou trinta anos atrás, ficaríamos surpreendidos com a visão que se tinha dos pastores:  homens de profunda respeitabilidade, confiança, uma referência para as famílias, seus conselhos eram acatados sem muita discussão. As pessoas olhavam para esses homens e diziam: “Eis aí um grande exemplo de honestidade e integridade”. O pastor era o exemplo de espiritualidade, um verdadeiro sacerdote no sentido vétero-testamentário, com muita autoridade, muito poder e muita aceitação.

Todavia os anos passaram e muita coisa mudou, a sociedade mudou, os padrões morais e valores éticos mudaram, pelo menos a forma de olhar para eles, as famílias mudaram, o jeito de educar filhos mudou, o conceito de autoridade já não é levado muito em conta, as escolas mudaram. Como diz o cantor popular: “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”. Consequentemente, a igreja sofreu mudanças e o olhar sobre os pastores também. Mas não foi só o olhar sobre os pastores que mudou, eles também mudaram. Muitos, inclusive, tornaram-se padrão de não-exemplo, não-referência, não-espiritualidade. Hoje os pastores honestos, íntegros, de boa fé são a exceção e não a regra. Que triste! Eu fico pensando: “Meu Deus, como ser pastor, num tempo assim, num mundo onde tudo é olhado com desconfiança? Onde os valores absolutos da ética foram lançados por terra, e o conceito de autoridade está em crise, seja numa empresa, casa ou igreja? Como ser pastor aqui e agora?”. Não culpo a ninguém, afinal, eu não sou o juiz da história. Apenas, lamento.

Diante desse quadro apresentado, muitos medos surgem diante de mim e em mim. Mesmo porque, apesar dos maus exemplos, ser pastor é algo muito sério e de profunda responsabilidade. Pastorado não é profissão, é vocação, chama-mento. Uma pessoa decide ouvir a voz divina para ser pastor não por causa do poder, visto que Jesus ensinou: “Quem quiser ser o maior, que seja, então, o menor, o servo”. Veja bem: servo e poder não são coisas que combinam. Muito menos por causa da autoridade, pois os referenciais de autoridade praticamente não existem nas sociedades pós-modernas. Alguém decide ser pastor devido a uma chama, “chama-mento”, que arde em seu coração, uma chama que queima tudo, e até incomoda, uma vez que, de certa forma, tira até a paz. Tira o sossego, o sono. Não que isso seja ruim, afinal, vem do céu, vem do alto. Fato é que Deus em sua graça, convoca algumas pessoas para servirem as outras, para serem mentores espirituais, encorajadores, companheiros de jornada, profetas da modernidade, proclamadores do evangelho puro e simples do Senhor Jesus Cristo.

Como já disse: é muita responsabilidade e demasiado peso sobre os ombros. Por isso os medos surgem. Medo de se calar não hora que a verdade precisa ser dita, medo de falar na hora em que silêncio deveria imperar, medo de falar demais, medo de falar de menos, medo de cair no ativismo, medo de ser passivo demais, medo de agradar, medo de desagradar, medo de não ser forte o suficiente, medo de não ser perseverante o suficiente, medo de não ter coragem suficiente. Medo de  ser um excelente pastor e cair no orgulho, medo de ser um mau pastor e cair no esquecimento. Simplesmente, medo de fracassar. Medo de andar nos caminhos da arrogância e auto-suficiência. Medo de valorizar demais o que não é pra ser valorizado demais, medo de cair numa rotina de religiosidade e não-espiritualidade, medo de pensar que o evangelho é algum tipo de lei, medo de dar espaço para o moralismo, medo de não agir de acordo com os princípios da graça. Medo, medo e medo...

Talvez você esteja dizendo a si mesmo: “que pastor medroso, como posso confiar nele?”. Na verdade, não sou medroso, sou humano, demasiadamente humano. Cheio de angustias existenciais como qualquer um. Quem não tem medos que atire a primeira pedra. Sabe, agora, neste exato momento que estou escrevendo essa pastoral, olhei para minha estante de livros e vi um intitulado: “O despertar da graça” de Charles R. Swindoll. Decidi pegá-lo e abrir no capítulo chamado: “Você é um ministro da graça?” As palavras de Swindoll me fizeram lembrar de outro texto: um texto paulino o qual diz: “Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém de Deus e não de nós [...] Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia”.

Essas palavras fizeram meus medos se calarem por alguns instantes. Provavelmente eles vão voltar mais tarde. Mas estou plenamente convicto que sou vaso de barro, pequeno, frágil, cheio de medos, dúvidas e Deus, apesar de tudo, continua sendo gracioso, benevolente, poderoso e escolhendo pequenos vasos para fazer a sua obra. Acho que vou deixar meus medos de lado e vou descansar no poder divino, vou me dispor a ser ministro da graça, e a ser forte em meio à fraqueza, em Deus. Convido-o a fazer o mesmo, pois você é tão vaso de barro quanto eu sou. Nunca se esqueça disso: Deus só trabalha com vasos de barro para que a glória seja toda Dele. E que assim seja!                                                                 Pastor Laurencie