sábado, 7 de março de 2015


Jesus e as mulheres

Sempre é um privilégio poder falar de Jesus Cristo. E falar de sua prática e atitude para com as mulheres é um privilégio demasiadamente gratificante, ainda mais pelo fato de ontem ser o dia que se comemora o dia internacional da mulher, dia pra celebrar muitas conquistas realizadas. Diante desse contexto, esta pastoral foi escrita para homenagear as mulheres e chamar a atenção para as muitas lutas que ainda precisam ser vencidas. Acredito piamente que é impossível falar da devida valorização da mulher e equidade com os homens sem falar de Jesus. Devemos reconhecer que há uma gigantesca distância cultural entre nós que estamos no século XXI e o mundo na Palestina do primeiro século. Cito o autor Paulo Brabo que diz: “Essa distância cultural certamente nos impede de apreender toda a extensão da influência de Jesus e a absoluta novidade de sua postura, mas é certo que nenhuma outra figura masculina da antiguidade oriental – seja no domínio da realidade ou até mesmo da ficção – sentiu-se mais a vontade entre as mulheres do que o Jesus apresentado pelos evangelhos”.
Devo lembrar que não faz cem anos que as mulheres alcançaram o status social igualitário no Ocidente, o que os Evangelhos descrevem que ocorreu há dois mil anos.
                Devo lembrar ainda que naquela época um marido não deveria se dirigir à própria esposa em lugar público, e que homem algum deveria trocar palavra com uma mulher desconhecida (em ambos os casos para proteger a sua honra e não a dela), o Mestre de Nazaré buscava a companhia amistosa de mulheres, puxava conversa com elas, tratava-as com admiração e naturalidade, interessava-se sem demagogia pelos seus interesses, permitia, gentilmente, que lhe tocassem em público, não só seu corpo, como no caso da mulher que tinha hemorragia crônica, mas também permitia que lhe tocassem o coração, como a mulher siro-fenícia, que foi até ele buscar cura para sua filha (ver Marcos 7.24 a 30).
                Vale dizer ainda que Jesus se permitia ser ajudado financeiramente por algumas mulheres, tais como Maria Madalena, Joana e Susana. Isso mesmo: Jesus viveu cercado por um grupo de mulheres que, desafiando as restrições impostas por sua cultura, seguiu-o por estradas poeirentas, enfrentando o desconforto a fim de sustentá-lo e aos discípulos com bens materiais e, muito provavelmente, com aqueles pequenos toques de carinho e cuidado feminino, oferecendo um pouco de conforto ao Mestre amado (Lc 8:1-3).
                Jesus não dava trela para o que era dito sobre as mulheres naquela época. Olhava para as mulheres sem recorrer às lentes do preconceito ou mesmo das idealizações. Jesus, simplesmente, lia as mulheres como seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus. Simples assim.
                Em seu livro A missão da mulher Paul Tournier, famoso psiquiatra cristão suíço, explica que mesmo uma leitura rápida dos evangelhos deixa claro que, em geral, as mulheres compreenderam Jesus melhor e mais depressa que os homens. Só para ilustrar:

Em dois episódios narrados em sequência no evangelho de João, capítulos 3 e 4, Jesus tem um encontro com um homem e uma mulher. Nicodemos era um homem importante, pois fazia parte do sinédrio, o supremo tribunal judeu. Vinha de uma família aristocrática de Jerusalém e possuía grande conhecimento das Escrituras. Ele procurou Jesus à noite, talvez para não ser observado pelos companheiros de sinédrio. Sua saudação a Jesus indica que ele acreditava estar diante de alguém enviado por Deus. No entanto, ficou confuso quando Jesus lhe falou sobre a necessidade de um novo nascimento, um renascimento espiritual. Em João 4, Jesus tem outro encontro individual, dessa vez com uma pessoa cujas referências eram as piores possíveis: pertencia a um povo miscigenado, intensamente desprezado pelos judeus e, além disso, era mulher. Judeu algum que se prezasse falava em público com uma mulher que não fosse de sua família ou permitia que ela se aproximasse dele. Aquela tinha ainda uma vida irregular. Mesmo para os nossos dias, tão liberais, uma mulher que tenha casado cinco vezes e viva com outro homem é considerada, no mínimo, complicada. No tempo de Jesus, era um escândalo. No entanto, foi a ela que Jesus declarou pela primeira vez ser o Messias, Filho de Deus. A mulher não hesitou. Aceitou de braços abertos a notícia e correu a espalhá-la entre todos os que se dispuseram a ouvir.
               
                Só para enfatizar: a primeira pessoa a qual Jesus revelou sua identidade messiânica foi para uma mulher – a mulher samaritana; a primeira testemunha da ressurreição também foi uma mulher – Maria Madalena. Interessante isso!
                Enfim, Jesus levou as mulheres a sério, considerando-as pessoas com quem poderia conversar e capazes de compreender suas revelações sobre Deus. Ele as ensinou, repreendeu quando necessário, nunca se mostrou complacente para com seus erros. Perdoou-lhes os pecados, restaurou-lhes a dignidade humana, ofereceu-lhes seu amor e a visão do lugar que podiam ocupar no reino de Deus. Conforme diz Wanda de Asssumpção: “Ele se mostrou livre de qualquer preconceito, falando às mulheres da mesma forma que falava aos homens, com o mesmo respeito, a mesma confiança, as mesmas exigências e as mesmas promessas”.
                Cito mais uma vez Wanda de Asssumpção, que fala maravilhosamente às mulheres:

Jesus já não se encontra corporalmente entre nós. Não podemos tocar- lhe a orla das vestes. Não podemos derramar-lhe unguento sobre a cabeça, nem lavar-lhe os pés com nossas lágrimas e enxugá-los com nossos cabelos. Não podemos sentir o toque de sua mão em nossas feridas. Não podemos ouvir sua voz nos instruindo, exortando e perdoando. O relacionamento das mulheres com Jesus hoje se dá no plano espiritual.
Mas, por isso mesmo, é ainda mais íntimo. Na pessoa de seu Espírito Santo, ele agora habita dentro de nós. Podemos, sim, derramar diante dele as lágrimas. Podemos sentir sua proteção e seu cuidado como um manto seco e quente colocado sobre nossos ombros quando estamos encharcadas pelas tempestades desta vida, tremendo de medo e apreensão. Podemos sentir sua mão limpando nossas feridas, trazendo cura e alívio à dor das rejeições. Podemos, ainda, ouvir perfeitamente sua voz falar ao coração, se estivermos atentas e em comunhão com ele. Jesus veio para nos libertar das inquietações, tristezas, tribulações, angústias, carências, da necessidade de amor e sentido de vida, oferecendo- nos a água viva do seu amor. Ele quer restaurar a essência da feminilidade que o pecado distorceu e contaminou. Por isso, vem ao nosso encontro onde nos encontramos, muitas vezes atarefadas, tentando suprir nossas necessidades e as de outras pessoas, enquanto nosso próprio coração permanece ressequido e vazio.


                Vivendo num país que pode ser chamado, sem sombra de dúvida, de a terra da injustiça, ainda há muita violência de todos os tipos contra as mulheres. O que lamentamos profundamente. Mas hoje, como cristãos, devemos reassumir nosso compromisso com Deus, na presença de Jesus Cristo, de respeitar a dignidade intrínseca de cada ser humano, especialmente os mais frágeis. Louvamos a Deus pois muitas mudanças para o bem já estão acontecendo. E oramos e lutamos para que a graça de Deus possa contagiar toda a sociedade, proporcionando, assim, um profundo respeito e trato em amabilidade e bondade para com as mulheres. Almejamos pelo dia em que a justiça e o conhecimento da glória de Deus cobrirá a terra, assim como as águas cobrem o mar (Habacuque 2.14). E cremos com todo o coração que veremos a bondade do Senhor na terra dos viventes (Salmo 27.13). Deus as abençoe. Deus nos abençoe. Amém.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Coração no Reino

“Pois onde estiver teu tesouro, aí estará também teu coração” (Mateus 6.21)

                Nos Evangelhos, Jesus ensina que o Reino de Deus é como um precioso tesouro que um homem encontrou num campo e que a partir do encontro com aquele luminoso tesouro todo o resto em sua vida obscureceu-se para ganhar nova luz, ou seja, ela abriu mão de tudo que tinha para adquirir aquele campo e assim ter aquele tesouro.
Quando Paulo conta de sua trajetória de vida, diz que: “Sim, de fato também considero todas as coisas como perda, comparadas com a superioridade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, pelo qual perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo” (Filipenses 3.8).
Quando Paulo abriu os olhos para o Reino de Deus, tudo o mais perdeu o brilho e a existência na sua completude passou a ser iluminada por Cristo que é a luz da vida.  
                Pelo Reino de Deus, o próprio Cristo “não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo assumindo forma de servo e fazendo-se semelhantes aos homens” (Filipenses 2.6 e 7).
                Quando Mateus, o publicano, se encontrou com Jesus, que é a personificação do Reino de Deus, imediatamente ele deixou a banca dos impostos para seguir o Sumo Mestre por  toda a vida.
                No dia em que a luz do Reino de Deus brilhou na vida de Estevão, a própria morte perdeu seu poder sobre ele. O Reino foi sua opção de viver e morrer.
                Pelo Reino de Deus, Zaqueu se dispôs no coração, diante de Cristo, devolver todo dinheiro – com juros – que tinha adquirido injustamente.
                Por causa dos valores do Reino, João Batista foi decapitado e o discípulo João – o apóstolo do amor – foi exilado na ilha de Patmos.
                Por amor ao Reino de Deus, cristãos foram jogados no coliseu entre as feras.
                Pela visão implantada nele pelo Reino de Deus, Bartolomeu de Las Casas ousou defender o direito humano dos índios em plena época de colonização. 
Pelas verdade do Reino de Deus, Dietrich Bonhoeffer estando nos E.U.A a estudo, se juntou aos irmãos da igreja Confessante na Alemanha para combater o nazismo, acabou preso e enforcado.
                Pela chama que o Reino de Deus acendeu em seu coração, Martin Luther King Junior enfrentou, sem violência, o duro regime de apartheid nos E.U.A. Ele foi assassinado.
                Por causa do Reino de Deus, a missionária Dorothy Mae Stang, lutava pela dignidade de trabalhadores do campo no Pará, enfrentando poderosos fazendeiros. Foi assassinada com 6 tiros.
Por causa do Reino de Deus, cristãos coptas não negaram a Cristo lá no distante país da Líbia, mesmo diante da ferocidade e violência do Estado Islâmico. Eles foram decapitados.
Inúmeros exemplos poderiam ser dados para demonstrar que quando alguém se encontra com o Cristo e abre os olhos e o coração para seu Reino a vida nunca mais é a mesma. Porque tais pessoas são transformadas de dentro pra fora, e mesmo ameaçadas, às vezes vivendo em escassez e até correndo diversos perigos insistem perseverantemente a servir ao seu Senhor que é Cristo. O Reino faz com que Cristo brilhe em nós e para nós como o sol do meio dia, e assim, as demais coisas são reinterpretadas, revistas e reconsideradas a partir dessa luz preciosa.
                Por causa do Reino, pessoas deixam sua terra e sua parentela e vão levar a luz de Cristo a povos distantes. Por causa do Reino, pessoas se tornam generosas, prontas a ajudar quem precisa. Por causa do Reino, pessoas aprendem a amar seus inimigos e orar por quem as persegue. Por causa do Reino, pessoas lutam contra seus próprios vícios e mazelas, tratam com amor quem lhes prejudicou, agem com misericórdia para com os que sofrem, vivem em comunhão com a igreja apesar dos problemas, incoerências e apesar das coisas que não concorda. E como vimos nos exemplos, pelo Reino, as pessoas se entregam totalmente a Causa de Deus a ponto de até morrerem por isso.
Creio que um cristão sério não seria leviano de pensar que seguir a Cristo e vivenciar os valores do Reino não exija um grande preço a pagar, uma renuncia, uma descentralização do ego, um esforço, uma dedicação, um sofrimento, uma vida. Como diz Bonhoeffer, “não poderia ser barato para nós o que para Deus custou tão caro”. E você tem o coração no Reino ou o seu cristianismo é só discurso?! 
               
                                                                                                                                             Laurencie,