sexta-feira, 26 de março de 2010

Vasos de barro



Como falar da beleza do ministério pastoral – o qual se pauta por claves de bondade, amor, paz, justiça, fraternidade, fidelidade, cuidado humano – em tempos de plena desorientação em relação a vida, desconsideração pelo outro e mudanças sócio-culturais que ocorrem na velocidade da luz? Como ser pastor num tempo em que a sociedade, em grande parte, molda seu pensar e seu agir por instrumentos massivos de comunicação social? Como exercer um ministério relevante num mundo onde as concepções e formas da expressão religiosa tiveram suas funções alteradas? Ou será que não tiveram?! Você, por acaso, já ouviu falar de crise de vocacionados, crise doutrinária, crise denominacional, crise de autoridade? Tudo isso é de dar medo e serve para nós pensarmos.

Todas essas perguntas são difíceis de responder, são profundas demais, abrangentes demais, e até escandalosas demais. O compositor português Pedro Ayres Magalhães fala nos seus versos da complexidade da atualidade, mas que apesar de tudo, é tocada pela realidade da ação pastoral: “Ai que ninguém volta ao que deixou; ninguém larga a grande roda; ninguém sabe onde é que andou; ai que ninguém lembra nem o que sonhou; e aquele menino canta a cantiga do pastor”. Tenho aprendido, nos convívios, no ouvir e ver que há muitas pessoas – como na metáfora sobre o menino da canção acima – que ainda cantam a ‘cantiga do pastor’: cantam, de fato, porque contam com a presença solidária e o apoio incondicional de pastores em suas esperanças e lutas. Isso é motivador e inspirador.

Apesar da lutas, dos problemas, das dificuldades, das crises, das mudanças, há muita beleza em ser pastor, e essa beleza flui, obviamente, da Palavra de Deus, afinal é ela que legitima o ministério pastoral, é ela que guia a ação pastoral e ela que é a fonte de todo sentido, de toda razão e de toda esperança para alguém se lançar por esse caminho.

Para mim, um dos textos que melhor expressa essa tarefa – chamada pastoral – é o texto paulino de II Coríntios 4:7 a 18 que assim diz: Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém de Deus, e não de nós. De todos os lados somos pressionados, mas não desanimados; ficamos perplexos, mas não desesperados; somos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não destruídos. Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo. Pois nós, que estamos vivos, somos sempre entregues à morte por amor a Jesus, para que a sua vida também se manifeste em nosso corpo mortal. De modo que em nós atua a morte; mas em vocês, a vida. Está escrito: "Cri, por isso falei". Com esse mesmo espírito de fé nós também cremos e, por isso, falamos, porque sabemos que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus dentre os mortos, também nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará com vocês. Tudo isso é para o bem de vocês, para que a graça, que está alcançando um número cada vez maior de pessoas, faça que transbordem as ações de graças para a glória de Deus. Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia, pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno. É claro que Paulo está falando do seu próprio ministério, está citando situações reais de sua jornada. Mas suas palavras nos ensinam e nos mostram os caminhos do ministério pastoral e suas reais motivações. No seu texto o apóstolo fala de sofrimentos, lutas, e até de morte; e ainda de fé e esperança. Mas sublinho com toda força o verso 7, e com mais força ainda a expressão: “vasos de barro”. Sublinho porque este versículo que dá significado ao texto todo.

Tudo o que Paulo passou só tem razão de ser por causa daquilo que foi dito no verso 7: “temos esse tesouro em vaso de barro”, isso sugere muitas coisas para nós. Sugere a beleza, a riqueza e o poder da mensagem do Evangelho do Reino de Deus, e sugere a pequenez, a fragilidade e, porque não dizer, a vulnerabilidade daquele que carrega e conduz a mensagem. E por último, sugere, que Deus, o Senhor do céu e da terra, o Deus Todo Poderoso, está absolutamente envolvido em tudo isso. O grande apóstolo Paulo se compreende como vaso de barro e isso me ensina que preciso aprender a me compreender assim também: como um mero e simples instrumento nas mãos de Deus. Afim de que a glória seja toda dEle.

Foi falado acima das dificuldades do nosso tempo, tempo de insegurança, em todos os sentidos. Mas qual tempo que não traz as suas inquietações e seus perigos?  Paulo afirmou no primeiro século da era cristã: “De todos os lados somos pressionados, ficamos perplexos, somos perseguidos e abatidos”. E isso se repete ao longo da história do cristianismo. A palavra de Deus, ministrada pelo apóstolo, mostra-nos que ministério tem a ver com sofrimento, pois é fundamentado num sistema contra mundun, tem a ver com a renuncia de si mesmo, para poder se entregar por completo nas mãos do Altíssimo e Sublime, tem a ver com estar motivado por aquilo que é eterno e não transitório, para não ser engolido pelas grandes e inúmeras dificuldades da realidade contemporânea, tem a ver com estar absolutamente envolvido pela graça e com o coração cheio de gratidão pois “os sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles”.

 Devido a boa mão de Deus ao longo de toda a jornada, o desespero e o medo, cedem lugar para a esperança da glória e o engajamento do Reino. Daí a ação pastoral ganha sentido, e sua beleza é trazida à tona. Que Deus nos ajude a ser gente segundo a Sua vontade, e, como Paulo, possamos nos compreender como vasos de barro. Vasos simples, mas que carregam em si o tesouro chamado Boas Novas de Jesus Cristo. Meu anseio hoje é ver e vivenciar uma pastoral coerente e fundamentada na graça. Assim, todos nós  teremos razões de sobra para cantar cantigas de pastor. E que assim seja!

                                                             Pastor Laurencie    

quinta-feira, 18 de março de 2010

O CHAMADO DO REINO


Falar sobre o Reino de Deus é sempre um grande desafio, uma vez que ele sempre escapa as nossas conceituações, aos nossos paradigmas. Acredito que o Reino é mais para ser vivido, experimentado e sentido do que conceituado ou definido. Mas mesmo assim, serei um pouco teimoso e falarei sobre ele, sem ter a pretensão de defini-lo por completo. O que na verdade, seria uma impossibilidade.

Se você olhar com atenção para os evangelhos sinóticos, ou seja, Mateus, Marcos e Lucas, verá que eles estão repletos da expressão – Reino de Deus. A primeira vez que ela aparece no Novo Testamento é na boca de João Batista e está registrado em Mateus 3.2 – “Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo”. Deve ficar claro que as expressões Reino dos céus e Reino de Deus são similares. Depois aparece nas palavras de Jesus, em Mateus 4.17, falando exatamente o mesmo que João. Tanto na fala do Batista quanto na de Jesus está associado ao Reino o conceito de arrependimento – metanóia em grego, que segundo o pastor Ed René Kivitz significa: “mudança de mente, expansão da consciência, capacidade de enxergar as coisas de outro prisma ou mesmo enxergar as coisas de uma perspectiva mais completa”. Isto é, metanóia é a experiência que nos possibilita dizer: “Mudei, já não penso mais assim, já não consigo ver as coisas desse jeito, e, conseqüentemente, redefine nossos valores e prioridades”. Metanóia faz-nos mudar de atitude e comportamento. Portanto, Reino de Deus tem a ver com arrependimento, mudança nas atitudes e na disposição da vontade.

Mateus registra da seguinte forma o início do ministério do Senhor: “Jesus foi por toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando as boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças entre o povo” (Mateus 4.23 a 25). Lucas é um pouco mais específico ao falar sobre o início do ministério de nosso Mestre; inclusive, dá detalhes do texto pregado por Jesus, a saber – o livro do profeta Isaías capítulo 61: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregas boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor”. Jesus, na sua preleção no texto do profeta, disse claramente que essas palavras se cumpriam nele. O que as palavras dos evangelistas Mateus e Lucas nos ensinam sobre Reino? Ensinam que o Reino de Deus está intrinsecamente relacionado com os ensinamentos do Senhor Jesus, com as boas notícias de salvação: que se traduzem na transformação do ser humano para uma nova vida. Aliás, as curas mostravam exatamente isso: Quando o Reino chega na vida de alguém, ele transforma por completo, curas as feridas, liberta das prisões e apresenta o tempo da graça de Deus na história daquele ser humano.

Ao se fazer uma análise sobre o conceito de Reino de Deus, ou Reino dos céus, é impossível que não se considere o sermão do monte, em especial as bem-aventuranças que apresentam o significado da felicidade segundo Jesus de Nazaré e seu Reino. A felicidade conforme o Reino está numa dependência profunda de Deus, numa postura de humildade e pequenez, que mostra uma correta compreensão de si mesmo que nada tem a oferecer ao Criador, senão a si próprio. Está com os que choram, porque serão consolados, choram por seus pecados, choram por suas angústias, choram devido as dores da vida, contudo encontram consolo na bondade divina. A felicidade está com os que praticam a misericórdia, com os que são puros de coração, têm fome e sede por justiça,  lutam pela paz e são perseguidos por amarem o Reino e a mensagem que ele traz. Portanto, o Reino de Deus envolve uma correta percepção de Deus, de si mesmo, do mundo. Além disso, envolve um sentimento de inquietação e inconformidade com as injustiças e uma práxis que lute pelo que é bom, correto, honesto, justo, belo e digno.

Na oração do Pai nosso Jesus também fala sobre o Reino, na verdade pede para que ele venha e que a vontade de Deus seja feita na terra como é no céu, segundo Ed René Kivitz  ainda: isso mostra que o Reino de Deus é o ambiente em que a vontade Dele é feita sem restrições e resistências, e a realidade humana está harmonizada com a realidade divina, sendo as duas uma somente. Portanto, o Reino está relacionado com um anseio profundo de que a vontade de Deus seja cumprida na terra. Seja cumprida na vida, na história das pessoas. Quando alguém abre espaço em sua existência para a boa vontade divina, ali está o Reino.


Talvez, ainda, haja em você a dúvida: “Qual é o chamado do Reino?”  Os textos do evangelho falam por si mesmos e nos mostram que o chamado do Reino é para o arrependimento, para a mudança da mente, para a expansão da consciência, para um prostrar-se de corpo e alma diante de Deus, e abraçar de coração os ensinamentos de Jesus, para poder assim construir uma nova vida estruturada segundo os princípios da graça divina. É um chamado para a liberdade, é um chamado para a verdadeira felicidade que acontece ao servir a Deus e as pessoas em nome Dele. É um chamado para batalhar pelo que é verdadeiro, correto, belo e digno. A grande questão é: você vai ouvir o chamado do Reino?

Jesus disse que o Reino é como um negociante que procura pérolas preciosas e quando encontra uma pérola de grande valor vai vende tudo o que tem para adquirir aquela pérola. Eu espero que nossos olhos brilhem pelo Reino de Deus assim como os olhos do negociante brilharam por aquela pérola de grande valor. Eu espero de verdade.
                                                                                                           Pastor Laurencie

sábado, 13 de março de 2010

E DISSE JESUS: AMAI-VOS



Hoje, tentando não ser clichê, gostaria de falar a vocês, sobre o amor. Pois acredito que um conceito errado sobre o amor pode implicar numa vida fundamentada em premissas equivocadas. E quando vidas são construídas sobre fundamentos arenosos, o risco de desabamento é muito grande. Infelizmente, esta palavra está muito gasta em nossos dias, está descaracterizada. Diante disso, é muito complicado dizer o que é o amor. Assim sendo, teremos como referência à Palavra de Deus e a analisaremos com toda cautela. 

Poderia, com certeza, citar músicas, frases e poemas de amor. E essas frases, poemas geralmente mostram o amor interpretado como sentimento,  emoção, como desejo, como paixão, como dor, como sinônimo de sofrimento etc. É claro que não tenho a pretensão aqui de subestimar a importância dos sentimentos e das emoções na vida de uma pessoa, mas interpretar o amor, somente sobre este viés, constitui problema e falta de abrangência na análise. Por isso rejeito a tentativa de restringir o amor a seu elemento emocional. Contudo, o que mais me interessa aqui, como já disse, é mostrar qual a interpretação da Palavra de Deus sobre o amor, ou melhor, qual a definição bíblica sobre o amor. Não quero somente fazer uma análise sobre o amor, mas compreender porque é tão importante falar sobre ele nestes dias, e mais importante que falar sobre ele, é vivenciá-lo, experimentá-lo, usufruí-lo.

Quando analisamos os ensinamentos de Paulo, podemos perceber que o amor é um dom (charísmata). Ou seja, é uma dádiva de Deus para que a comunidade chamada igreja possa se edificar mutuamente. É presente do céu a fim de que a igreja tenha condições e ferramentas para abençoar a si mesma. Interessante que quando Paulo apresenta seu texto clássico sobre o amor – I Coríntios 13 – ele o faz tratando-o como caminho. Assim diz: “procurai, com zelo, os melhores dons. E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente”. Ou seja, o amor é um caminho a ser trilhado pela vida. Isso implica uma decisão constante e diária pelo amor. Contudo não é um caminho qualquer, é um caminho sobremodo excelente. É um caminho que faz bem pois nele há paciência, há bondade, não há espaço para a inveja, vanglória. Orgulho nem se fala, interesses mesquinhos então, ficam longe desse caminho. O amor diz não para a injustiça, e sim para a verdade. Diante disso, Paulo diz em I Coríntios 14: 01: “Sigam o caminho do amor”. De fato, o amor é um dom para se acolher e um caminho para se seguir.

Dentro do viés paulino ainda, percebemos outra conceituação de amor. Paulo diz que amor é fruto do Espírito de Deus (Gálatas 5.22), melhor dizendo, é uma das características do fruto do Espírito de Deus na vida da comunidade-igreja, é um dos sinais da atuação do Santo Consolador na história e vida de um povo que foi comprado, remido e agraciado pelo sangue de Cristo na cruz do Calvário. O amor, dentro dessa perspectiva, caracteriza a igreja. Quando as pessoas que compõem a mesma se amam, e trabalham e lutam pelas outras (e não contra as outras), estão demonstrando que pertencem ao Senhor, estão enfatizando Sua obra, Sua bondade, Seu Reino. De fato, o amor é um sinal para se mostrar.

O amor não é só um dos elementos primordiais do ensino do apóstolo Paulo, mas de Cristo também. Ele que é a personificação do amor tem autoridade plena para dizer o que essa palavra significa. O amor não é mero sentimento humano, é muito mais do que isso. Cristo ensina através de sua própria vida que amor é uma postura diante da existência, diante de Deus, diante de si mesmo, diante dos outros. É uma atitude no viver, é um jeito de se relacionar, é um jeito de fazer escolhas e instituir prioridades, é uma forma de lidar com os problemas e sofrimentos. Dentro da perspectiva dos ensinamentos de Cristo podemos afirmar: amar é andar a segunda milha, ir além do esperado (Mateus 5.41), é não julgar e condenar (Mateus 7:1), é tocar no leproso e incluí-lo no Reino de Deus, ou seja, é se importar com quem ninguém se importa (Mateus 8:1),  é cuidar de quem precisa – o bom samaritano é um bom exemplo disso (Lucas 10:25 a 37), é consolar quem perdeu toda a esperança (Mateus 11.28), é pegar a toalha e a bacia da humildade para servir aos outros, é pedir perdão e ser perdoador porque Deus o é (Mateus 18:21 a 35), é compreender que o humano está sempre acima das instituições, leis, costumes (Mateus 12.12). É agir com graça porque compreende que Deus é gracioso, benevolente, misericordioso (Mateus 20.1 a 16). De fato, o amor é um jeito de se viver.

Todos nós precisamos nos matricular na escola do amor. Refiro-me ao amor segundo o prisma da Palavra de Deus, obviamente. Não há outra opção para a igreja, ela não tem outra escolha desde que queira ser igreja no sentido integral do termo. Não há outro caminho para as famílias, desde que pretendam ser famílias de verdade. Não há outra opção para cada um de nós, senão o amor, isto é, desde que queiramos ser pessoas que constroem sua história sob a perspectiva da vontade de Deus. Se Deus e sua vontade são relevantes para você, ouça a voz do Senhor que insiste em dizer: “Amai-vos” e responda, sem pestanejar:  “Tudo bem, Senhor. Vou amar”.
                                                                                                           Pastor Laurencie

sexta-feira, 5 de março de 2010

O PREÇO DE CAMINHAR NA GRAÇA



Talvez você já esteja desconfiado com esta pastoral devido ao seu título. É possível que surja na sua mente a pergunta: “Como pode a graça ter um preço? Graça é dádiva, é dom, é presente, é benevolência, não pode ter um preço”. Peço um pouco de paciência, caro leitor, e tudo será explicado nos mínimos detalhes.

Acredito que seria um bom caminho definir as palavras que aparecem no título. É claro que quando dizemos que vamos definir algo, sempre se corre o risco de deixar muita coisa de fora, por isso tal tarefa exige humildade e um sentimento de pequenez diante daquilo que é inexplicável à razão, mas sentido e percebido na jornada da vida. Vou correr esse risco, então. Particularmente gosto muito da definição do Caio Fábio, a qual foi extraído de seu livro Sem barganhas com Deus; ele assim diz: “Graça é toda manifestação do amor criador-redentor de Deus— e que se expressou supremamente no Escândalo da Cruz—, que sempre é favor imerecido, incluindo a criação do ser, mesmo que seja um ser assim como sou! Pois, sou-serei-sendo já-sou, Nele!”. Note bem: graça é manifestação do amor, tanto na criação do mundo, quanto na redenção do humano, mediante Jesus Cristo, o qual se manifesta plenamente no Escândalo da Cruz. Ou seja, graça é bondade dadivosa, contudo traz junto de si uma morte, a morte de Jesus Cristo, nosso Senhor.

Você consegue perceber que há um preço grandioso pela graça? Entende que Cristo se desfez da sua glória, fez-se homem, assumiu forma de servo, e sofreu uma morte terrível, que é a morte de cruz? Compreende que a suma bondade divina é gratuita para nós, mas não o foi para Ele? Creio que todos podemos dizer em alto e bom som: “O preço da graça é muito caro”. Mas mesmo assim é graça, é favor imerecido, tanto para mim, quanto para você.

Ainda merece destaque a última parte da definição de Caio Fábio: “Pois, sou-serei-sendo já-sou, Nele!”. Aqui há um conceito quase imperceptível de caminho, o que já justifica o título desse texto. Ele afirma: “sou-serei-sendo-já sou”. Conforme interpreto, sua frase fala da construção do ser perante Deus, mediante Cristo. E isso se traduz simplesmente: caminho. Sinceramente, gosto demais dessa palavra, porque concentra em si uma das mais profundas experiências do ser humano em seu enfrentamento com a tarefa da vida. Visto que a vida nunca é um dado pronto e acabado, mas sempre uma tarefa a ser feita e conduzida. Portanto, viver é caminhar, e digo com segurança, caminhar na graça. E assim quando olho para mim mesmo vejo um peregrino, um caminhante, alguém que está em construção, alguém que está se desenvolvendo diante de Deus, alguém que já vive a graça, entretanto, ainda está em busca dela, um ser que percebe graça, todavia clama por ela, alguém que compreende graça, mas ainda está em busca de trilhar pelos caminhos altos e sublimes da graciosidade divina – Lembre-se: “sou-serei-sendo já-sou, Nele!”. Em Cristo eu vivo. Portanto, em Cristo sou peregrino. O poeta espanhol Antônio Machado disse: “Caminhante, não há caminho: faz-se caminho ao caminhar”. Isso significa que a graça tem que ser escolhida a cada dia na Jornada, em todo o momento diante do enfrentamento com a vida, mediante as situações que nos são apresentadas. Pois a vida, como já disse, nunca é algo pronto e acabado.  Perceba: “o caminho se faz ao caminhar”. É preciso, assim, escolher andar no caminho da graça sempre, tendo a certeza que no caminho de Deus, a graça atua do princípio ao fim. Como dizia o apóstolo do amor: “é graça sobre graça”. Eu quero trilhar por essa estrada.

Provavelmente a dúvida ainda persista : qual é o preço de caminhar na graça? O preço é a cruz de Cristo. Mas existe outro preço. Claro que não me refiro a boas obras ou algo que possa surgir como pretensão de obter mérito diante de Deus. Não. Nada disso. Refiro-me ao preço de escolher e tomar a firme decisão de andar na graça. Diante de um mundo que decide ser construído fundamentado no conceito de não-graça, a Igreja de Cristo deve, com voz profética, denunciar as maldades, injustiças, as distorções do evangelho, ou seja, os pecados. Isso também é trilhar na graça. Além disso, recusar-se a pregar e aceitar uma mensagem de quase-graça, que não sendo totalmente graça acaba se tornando des-graça, visto que não é a verdade do Senhor. Não aceitemos isso. Paguemos o preço de andar na graça, isso significa que o ego muitas vezes deve ser calado para a glória de Deus. Um novo rumo necessita ser tomado. Novas perspectivas construídas, relacionamentos transformados, uma reinvenção de si, através do poder e da obra de Cristo. Em suma, uma nova esperança, para um novo tempo, alicerçado na graça. Para isso, é fundamental olhar para a vida com outros olhos. É preciso dar total espaço e liberdade para a justiça, misericórdia, bondade, respeito à dignidade humana, amizade, fidelidade, perdão, paciência, amabilidade, alegria, mansidão, temperança.

Saiba de antemão que não é fácil andar por esse caminho, esse caminho, como já ensinou nosso Senhor, é estreito. Demasiadamente estreito. Não dá pra levar na mala o orgulho, a mentira, a barganha com Deus, os méritos humanos, o egocentrismo, os interesses mesquinhos, as atitudes medíocres, as manipulações de outrem, o aproveitamento dos mais fracos. Não. Definitivamente não. Deixe tais bugigangas humanas para trás.

Pela misericórdia de Deus, não barateie a graça, não a institucionalize, não impeça sua ação, não duvide do seu poder e do seu alcance, não vire as costas pra ela, não diga em seu coração: “não preciso dela”. Pague o preço de caminhar na graça, e viva e desfrute da graça no caminho. Todos os dias as situações da vida vão fazer a seguinte pergunta a você: graça ou não-graça? Eu creio piamente que Jesus responderia: “Graça”. E você?   

                                                                                                            Pastor Laurencie