quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Evangelho da Crise

Certamente a igreja de Cristo precisa de um despertamento urgente. Como disse Jesus, “os campos estão brancos para a colheita”, ademais o sofrimento no mundo é gigantesco e em muito de nossos templos, supostamente cristãos, estão discutindo, há anos, sobre o sexo dos anjos. O chamado divino para ser sal e luz no mundo tem sido esquecido ou tradado levianamente. O despertamento, tão necessário, só acontecerá quando todos nós nos voltarmos para o Senhor Deus com todo nosso coração, alma, força, vontade e entendimento. Imaginemos que nós fossemos passar por uma prova surpresa exatamente agora. A prova teria 6 questões. E as perguntas seriam: Será que nós, como igreja, temos aprendido:
A pensar de forma precisa?!
A se comportar eticamente?!
A pregar apaixonadamente?!
A cantar alegremente?!
A orar honestamente?!
E a obedecer fielmente?!
Fica aí as perguntas para cada um fazer sua autoavaliação. Impulsionado por esses questionamentos, enfatizo que não é possível pensar num relacionamento profundo com Deus, sem passar pela compreensão e vivencia do Evangelho de Jesus de Nazaré. Infelizmente, muitos crentes pensam que Evangelho é a mensagem que tem que ser pregada somente para os não convertidos, mas isso não é verdade, isso não é verdade mesmo; o Evangelho não é só para iniciantes na fé, como diz Tim Keller, “ele não é o ABC da vida cristã, ele é o de A a Z da vida cristã”. E a igreja não só precisa compreender o Evangelho com profundidade, mas precisa viver de acordo com ele. Ou seja, o Evangelho é um desafio constante para igreja do Senhor, e a Bíblia nos mostra, em muitos exemplos, que muitas igrejas se afastaram do Evangelho de Deus. Por isso precisamos vigiar e orar para não transformarmos a mensagem radical de Jesus numa água com açúcar que não faz diferença na vida de ninguém.
Por isso gostaria de pensar sobre o Evangelho da Crise. E o objetivo deste texto é que compreendamos que Evangelho de Jesus toca, questiona e transforma nossa vida em todas as dimensões, pois não há nenhuma área da vida humana que Cristo não queira exercer seu Senhorio.

Definindo a palavra crise
É comum ouvirmos a palavra crise, principalmente nos dias atuais em nosso país e em muitos países da América Latina. E geralmente a ideia que se tem de crise é pejorativa. Segundo Leonardo Boff no livro – Crise: oportunidade de crescimento – crise, etimologicamente, pode significar “desembaraçar” ou “purificar”. A crise age como um crisol (elemento químico) que purifica o ouro ou a prata das impurezas, acrisola (purifica, limpa) dos elementos que se incrustaram e podem comprometer a substância. Crise, neste sentido, purificar para manter o cerne, a essência. De crise vem ainda a palavra critério que é a medida pela qual se pode julgar e distinguir o autêntico do inautêntico, o bom do mau. A crise é uma descontinuidade e uma perturbação dentro da normalidade da vida provocada pelo esgotamento das possibilidades de crescimento de um arranjo existencial. A crise acontece quando os modelos existenciais pré- estabelecidos já não dão mais conta da realidade. Os paradigmas estão caducos. Daí vem a crise. Que gera uma perturbação no sistema para transformá-lo.
Às vezes, Deus faz isso conosco. O vento dele sopra, faz uma bagunça na nossa vida para colocar as coisas no devido lugar. O sofrimento é algo que Deus pode usar neste sentido.
O sistema capitalista como se apresenta hoje já mostra sinais de desgaste. É por isso que existem tantas crises. Este modelo de consumo ad infinitum não vai resistir por muito tempo. As escolas, com seu modelo de ensino tradicionalista não dão conta das demandas de hoje. Poderíamos ainda citar o modelo político de nosso país e sistema carcerário. As próprias igrejas têm passado por crises porque seus paradigmas já não dão conta da complexidade da pós-modernidade.
Mas o Evangelho de Jesus não envelhece nunca e sempre traz a Boa Notícia de Deus aos homens e mulheres de todos os tempos, de todos os lugares e de todas as culturas.

O Evangelho da Crise
Usamos a expressão o Evangelho da Crise porque o Evangelho de Jesus, sua mensagem transformadora de salvação que afirma que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, provoca crise. O Evangelho de Jesus é um incomodo para todos os sistemas inclusive para os sistemas religiosos. Exemplifiquemos rapidamente, pensando em modelos e estruturas que haviam no tempo de Jesus: Jesus gera crise no modelo fariseu da vida. Eles pregavam, como preparação para a estourar do reino, a estrita observância da lei. Abordavam a realidade com categorias preconcebidas e moralizantes: justo e injusto, piedoso e ímpio, próximo e não próximo. Jesus, provoca este sistema ao afirmar que as pessoas não são aceitas por Deus com base em méritos e prática da lei mosaica e da tradição da religião. Parafraseando Paulo Brabo: “Jesus Cristo era considerado pelos religiosos de sua época um judeu desaforado, por pregar que as pessoas eram aceitar por Deus com base em seu próprio cavalheirismo e graciosidade, mediante ao sacrifício de Jesus”. E não no cumprimento das regras da tradição.
Jesus gera ainda crise na modelo de vida dos essênios. Os essênios eram uma comunidade de monges de grande rigorismo, vivendo nos mosteiros de Qunran, perto do Mar Morto. Conforme os manuscritos descobertos em 1948, eles excluíam do reino todo aleijado das mãos, dos pés, cego, surdo, mudo ou portador de qualquer mácula. Cristo, pelo contrário, convida a participar na ceia do Reino os pobres, aleijados, cegos e coxos. “ O servo voltou e contou tudo a seu senhor. Então, indignado, o dono da casa disse ao servo: Sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os mancos.” (Lucas 14.21) Entre os essênios ainda reinava a mais rigorosa ordem hierárquica sob a alta direção sacerdotal. Em vez de hierarquia Cristo ensina a hierodulia (serviço sagrado): Aquele que quiser ser maior seja o servidor, e aquele que quiser ser o primeiro seja escravo de todos. (Mc 10.43 e 44)
Jesus também gera crise na mentalidade de vida dos zelotes. Os zelotes eram um grupo de guerrilheiros piedosos que lutavam por uma teocracia política. Os zelotes queriam provocar a intervenção de Deus através de atos de ódio e terror. Mas Cristo propaga uma mensagem de amor e perdão. E diz que seu Reino não deste mundo e não se baseia nas prerrogativas deste mundo. Até mesmo na cruz Jesus demonstrou sua mansidão. Ao exercitar para consigo mesmo o poder de não usar violência: não pedir fogo do céu, não aceitar a espada como instrumento de vingança. Para o modelo de vida dos zelotes, Jesus era subversivo. Poderia citar outros exemplos, como os saduceus. Mas vamos citar um último e parar por aqui.

Jesus gera crise na vida dos discípulos
Jesus gerou uma crise na vida dos discípulos quando eles ainda nem eram discípulos. É importante retomarmos o conceito de crise que estamos usando aqui, que é algo que desembaraça e purifica, algo que faz as coisas serem de fato o que são, trazer de volta ao cerne, voltar para a essência, provoca e questiona um determinado sistema de vida para propor novos modelos e arranjos existenciais. Toda a vida de Jesus, neste sentido que estamos falando, é uma provocadora de crises. Até mesmo em seu nascimento, que abalou as estruturas do palácio de Herodes, provoca crise ainda na estrutura de vida dos judeus pois o Senhor vem, a priori, para os que eram seus (do seu povo), mas os seus não o recebem (João 1.11). Gera crise quando ele surge pregando o Evangelho do Reino e aceitando com base na fé e por meio da graça, pessoas fora do sistema como os leprosos, crianças e mulheres. Ele abalou as estruturas do pensamento e de vida da sociedade de seu tempo. E é essa crise que ele provoca naqueles homens daquele tempo, quando depois da prisão de João Batista, ele começa a pregar: “O Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho”. É por isso que Simão, André, Tiago e João imediatamente a se encontrarem com Jesus abandonam seu modelo antigo de viver. Ao dizer que o Reino está próximo, não está querendo dizer que vai chegar daqui a pouco, como quem fala de uma proximidade em termos de tempo. Ele está dizendo que o Reino está acessível, Jesus está prometendo acesso a uma realidade vivencial. E Reino é o ambiente em que a vontade de seu soberano é exercida sem restrições e resistências. Ou seja, Jesus está dizendo que o ser humano pode participar do ambiente em que as coisas funcionam do jeito de Deus, onde a realidade humana está em harmonia com a realidade divina. E para ter acesso a este Reino ele fala de arrependimento, metanoia, mudança da mente, expansão da consciência, capacidade de enxergar as coisas de um outro prisma o mesmo enxergar a vida de perspectiva mais completa. É a experiência que permite as pessoas dizerem eu mudei e a minha vida nunca mais será a mesma. Não consigo ver as coisas do mesmo jeito de sempre. Mudança de atitude. Mudança de comportamento. Mundança de rota (Ver o livro Vivendo com Propósitos de Ed René Kivitz).
Quem se arrepende abandona uma direção de vida e toma outra. É preciso aceitar que nosso modelo antigo de viver confrontava Deus e precisamos nos render a Ele dia a dia. O Evangelho da crise questiona nosso sistema de vida para nos colocar no lugar certo.

Conclusão

É tempo de servirmos ao Senhor de verdade, com alma e integridade, sem querermos perverter sua mensagem só para ficarmos numa zona de conforto com a consciência alienadamente tranquila. Se o Evangelho não tem gerado crises em nossos sistemas e paradigmas de vida é porque certamente o evangelho que afirmamos crer está desalinhado e desajustado com aquela mensagem que saiu da boca de Jesus. Um evangelho falsificado não terá condições e forças para transformar o coração humano, muito menos para fazer diferença na sociedade. Deus tenha misericórdia de nós!

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Mapa da violência de 2015

Neste documento está apresentado as estatísticas da violência no Brasil nos últimos anos, especialmente no que se refere a mortes por armas de fogo. As estatísticas são impessoais e não tem condições de expressar a dor e o sofrimento de cada família, porém nos ajudam a enxergar esses males que tem acontecido e onde exatamente tem acontecido.
Este é um documento triste de ler, mas que precisa ser lido. Que abramos nossos olhos para tanta dor que há em nossa volta e oremos: Venha o Teu Reino, Senhor Jesus! Amém. E nos engajemos para levar esperança a todas as pessoas que encontrarmos em nossa Jornada.


http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015.pdf

A dignidade intrínseca de um ser humano

“Que é o homem, para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Tu, ó Deus, o fizeste um pouco menor que os anjos e o coroaste de glória e honra”. (Salmo 8.4 e 5)
               
                Em dezembro de 2014 saiu a notícia de que vários patrocinadores do maior campeão da Fórmula 1, Michael Schumacher, estavam deixando de patrociná-lo. No mundo capitalista que nós vivemos, onde Mamon reina e o lucro é a única coisa que importa, esse tipo de situação é normal, infelizmente. Porém, a questão não é só financeira, pois tem algo mais profundo nisso. A verdade é que as grandes empresas certamente não gostam de associar seu nome e sua marca a alguém que está preso a uma cadeira de rodas. Ou seja, sua visão da vida é extremamente utilitarista, o valor de uma pessoa está atrelada a sua “utilidade”, perdendo a suposta utilidade, perde-se também o valor.
                Segundo a OAB da Paraíba, há mais de 15 tribos indígenas que praticam o infanticídio. Isso acontece por conta de sua prática religiosa milenar entorpecida e também pela compreensão de que essas crianças serão um peso e, portanto, devem ser eliminadas. Mais uma visão utilitarista das pessoas.
                Nesta hora, enquanto esta pastoral está sendo escrita em vários escritórios e salas de nosso país e mesmo do mundo, muitos empresários e políticos e seus camaradas tramam e combinam o quanto lucrarão em certos tipos de negócio e sempre em detrimento das pessoas. E também combinam como encobrirão os fatos e como vão esconder o dinheiro, mandando-o, certamente, para algum paraíso fiscal. Eles vivem nas nuvens, e boa parte da população, na lama.
                Nesta hora em vários templos evangélicos de nosso país pessoas são enganadas, um mundo de irrealidade e um “deus” inventado é vendido a elas, por um preço caro. E pessoas alienadas seguem seus líderes alienantes que não se importam nenhum um pouco com elas, só com suas gordas ofertas. Utilitarismo, mercantilismo e alienação dentro de templos. Bem que o cantor João Alexandre cantou: “a morte se esconde atrás dos templos”, pelos menos, de alguns.
Nesta hora bandidos se reúnem em vários lugares e pensam em como será o próximo roubo, o próximo assalto, o próximo golpe, a próxima vítima, a próxima invasão de uma casa ou de um banco ou loja ou empresa. As pessoas que serão roubadas não importam, os traumas gerados nelas, caso elas sobrevivam não importam, o que importa somente é o quanto será arrecadado, mesmo que seja as custas do sofrimento alheio. Utilitarismo para justificar o crime!
                Traficantes também pensam em como trazer sua mercadoria e engambelar a fiscalização. Eles pensam em como levar as drogas para as universidades, para as fábricas e até mesmo para o homem do campo e o homem de negócios. As pessoas são um meio para o seu fim. A destruição das vidas e famílias não se considera. Só o lucro e o poder. Utilitarismo com gosto de sangue das vítimas.
                Em contrariedade a essa visão utilitarista do ser humano, a Bíblia nos mostra o valor intrínseco de cada um e nos ensina que o ser humano nunca pode ser usado como o meio para se atingir algo, ou seja, o ser humano não pode ser coisificado, apenas pode e deve ser tratado como sujeito carregado de dignidade. Logo nas primeiras páginas do Livro Sagrado encontramos Deus criando o ser humano com todo carinho, imprimindo nele sua marca, sua preciosa imagem e semelhança (Gênesis 1.26). E é neste ato criador e amoroso de Deus que está a explicação para a dignidade de cada ser humano e tal dignidade lhe é intrínseca pois é prévia até mesmo a sua existência, pois é dádiva divina. Não é algo que se conquiste pelo esforço, ou pelo trabalho, ou pelo status, ou por empreendedorismo, ou pelo dinheiro, não mesmo. É algo dado como obra da graça.
                Se avançamos na leitura do texto bíblico vemos a leis de Moisés, criadas para que o povo de Deus construísse uma sociedade diferente das outras nações, onde todos tinham voz e vez, e os mais fracos eram cuidados com toda consideração e respeito.
                Na continuidade da leitura encontramos os profetas lutando com toda coragem, em nome do Senhor, contra os poderosos do governo e da religião. Defendendo a justiça, defendendo o direito, a retidão e a verdade. E orando assim em lágrimas: “Corra a justiça como as águas e a retidão, como o ribeiro perene”(Amós 5.24).  Por conta de sua compreensão de Deus e da vida foram perseguidos, lançados na cadeia e alguns até foram mortos. Lutaram, em nome de Deus, pelos mais fracos e vulneráveis de sua sociedade.
                Não poderíamos deixar de citar o Senhor Jesus, que representa a personificação do amor do Pai. Jesus revela a face de Deus, face, esta, cheia de ternura e misericórdia. Para mostrar como é o coração do Pai, Jesus nasce na terra de Belém, cidade sem importância nenhuma, e a geografia de Jesus é a geografia dos esquecidos, marginalizados, impuros e incapazes, isto, segundo a religião da época. A estes, e a todos que desejarem, Jesus revela o Reino, Jesus os acolhe, abraça e demonstra a graça divina com gestos ricos de comprometimento humano e no compartilhar de sua alegria singela.
Nos servos de Deus e no Filho de Deus não se vê utilitarismo. Nunca as pessoas foram usadas por eles, nunca tratadas como um meio, mas sempre como um fim. Sempre reconheceram sua dignidade intrínseca, seu valor próprio. Sempre as respeitaram e trataram com consideração. Mesmo quando as pessoas agiram erroneamente, mesmo quando pecaram, mesmo quando crucificaram ao Salvador, o Senhor clamou graciosamente por perdão sobre elas: “Elas não sabem o que fazem” (Lucas 25.34).
A Bíblia ensina que Deus amou o mundo (João 3.16) e isso quer dizer todas as pessoas de todos os tempos e de todos os tipos. E aprouve a Cristo, por misericórdia, morrer em prol de todos os seres humanos para lhes propiciar salvação. Portanto, quando olhar para qualquer ser humano, veja ali e alhures alguém amado por Deus e que tem dignidade intrínseca pois Deus assim o quis.
Que possamos nos espaços que participamos, inclusive na igreja e especialmente na família, ter uma visão bíblica do ser humano, reconhecendo seu valor e dignidade, tratando-o com todo respeito, sempre agindo esperançosamente, esperando que as pessoas que se encontram conosco, possam se encontrar com o Cristo. A linguagem de Deus para com o ser humano é a graça, nunca o utilitarismo.

Oremos para que o Deus de toda a graça nos capacite a sermos agentes da graça neste mundo mal e sofrido. Venha o teu Reino, Senhor! Amém.