sábado, 13 de novembro de 2010

Eu, um eterno mendigo

Sou pobre e necessitado, mas o Senhor cuida de mim” (Salmo 40.17a)
Certamente a palavra mendigo é uma palavra extremamente forte e causa má impressão e traz várias imagens negativas àquele que a ouve. E dificilmente alguém ousaria usar tal substantivo para se referir a si mesmo. Segundo a Wikipédia – a enciclopédia livre: Mendigo ou mendicante é “o indivíduo que vive em extrema carência material, não podendo garantir a sua sobrevivência com meios próprios. Tal situação de indigência material força o indivíduo a viver na rua, perambulando de um local a outro, recebendo o adjetivo de vagabundo, ou seja, aquele que vaga, que tem uma vida errante. O estado de indigência ou mendicância é um dos mais graves dentre as diversas gradações da pobreza material”. Enquanto que sociologicamente falando a palavra mendigo tem conotação pejorativa, quando pensamos na relação do ser humano com o Deus de toda graça, isto é, teologicamente, tal palavra cai como uma luva.

Certa vez o Senhor Deus disse ao mendigo Jó: “quem primeiro deu a mim, para que eu lhe retribua? Tudo o que existe debaixo do céu é meu” (Jó 41.11). O apóstolo Paulo expressou a seguinte doxologia: “quem primeiro lhe deu alguma coisa, para que lhe seja recompensado? Porque todas as coisas são dele, por ele e para ele. A ele seja a glória eternamente. Amém” (Rm 11.35 e 36).  Paulo sabia bem do seu estado de mendicância diante de Deus, ele mesmo disse: “Ele escolheu as coisas insignificantes do mundo, as desprezadas e as que nada são, para reduzir a nada as que são, para que nenhum mortal se glorie na presença de Deus.[...]Quem se gloriar, glorie-se no Senhor (I Co 1.28, 29 e 31). Perceba que a palavra mendigo expressa bem o que Paulo disse, afinal, o mendigo é insignificante, é desprezado e é considerado e tratado como nada. Mas não para Deus, não é?! Afinal, foi a esse ou a esses que Ele, misteriosamente, escolheu. 

Essa incapacidade humana de dar, ou merecer ou fazer coisas para Deus, por si mesmo, podemos dar o nome de mendicância espiritual. Um mendigo só comerá se alguém o der, e só usará as roupas que ganhar, e carecerá diária e constantemente de favores e atos de misericórdia. O mesmo vale para cada um de nós diante de Deus, visto que “ninguém pode receber coisa alguma, se não lhe for dada do céu” (Jo 3.27). João, o Batista, sem ressalvas, compreendeu seu estado de mendigo  e sua indignidade diante daquele que se chama Salvador – “não sou digno nem de carregar suas sandálias” (Mt 3.11) e sua postura e oração foi a de um mendigo espiritual: “convém que ele, o Cristo, cresça e eu diminua” (Jo 3.30).

É preciso aceitar, à luz dos ensinamentos da Palavra, que eu sou um eterno mendigo diante de Deus, sou pequeno e fraco, pobre e necessitado, não tenho nada a oferecer, não há razões e nem sentido em sentir orgulho por qualquer coisa que seja, careço diária e assiduamente dos favores e dos atos de misericórdia e graça do céu.

A um mendigo espiritual por definição e convicção cabe bem a humildade, a contrição, a simplicidade no viver, a solidariedade com os outros mendigos amigos e companheiros de caminhada. Cabe ainda a ausência de julgamento e pré-conceitos em relação aos próximos que sucumbiram diante da complexidade da vida. Os mendigos não criam estereótipos de outrem, pois não há nenhum mendigo que não tenha culpa no cartório, uma vez que “todos pecaram e são carentes” (Rm 3.23a). Tenho boas notícias aos mendigos espirituais, boas novas de alegria e esperança, pois “assim diz o Alto e Sublime, que habita na eternidade e cujo o nome é santo: Habito num lugar alto e santo, e também com o contrito de coração e humilde de espírito, para vivificar o espírito dos humildes e o coração dos contritos” (Is 57.14 e 15). Os espiritualmente mendicantes não tem nada a oferecer, são desprezados e ridicularizados no mundo, contudo, é com eles e neles que Deus habita.

Lembre-se que aceitação de nossa mendicância em relação a Deus não nos menospreza ou nos humilha, mas nos eleva, pois nos traz à consciência o fato de que a vida, em todas as suas dimensões, é fruto da graça. É fruto da pré- disposição divina em agir com bondade e misericórdia para conosco, os mendicantes. Foi João que disse: “pois todos recebemos da sua plenitude, graça sobre graça” (Jo 1.16). Precisamos admitir de uma vez por todas: “nossas insignificantes obras não nos dão o direito de regatear com Deus. Tudo depende do seu bom prazer” (Brennan Manning).

Encerro parafraseando Jesus: “Superlativamente felizes são os mendigos espirituais, pois deles, somente deles, é o reino dos céus” (Mt 5.3).
                                                                                                              Pr. Laurencie