sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A dignidade intrínseca de um ser humano

“Que é o homem, para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Tu, ó Deus, o fizeste um pouco menor que os anjos e o coroaste de glória e honra”. (Salmo 8.4 e 5)
               
                Em dezembro de 2014 saiu a notícia de que vários patrocinadores do maior campeão da Fórmula 1, Michael Schumacher, estavam deixando de patrociná-lo. No mundo capitalista que nós vivemos, onde Mamon reina e o lucro é a única coisa que importa, esse tipo de situação é normal, infelizmente. Porém, a questão não é só financeira, pois tem algo mais profundo nisso. A verdade é que as grandes empresas certamente não gostam de associar seu nome e sua marca a alguém que está preso a uma cadeira de rodas. Ou seja, sua visão da vida é extremamente utilitarista, o valor de uma pessoa está atrelada a sua “utilidade”, perdendo a suposta utilidade, perde-se também o valor.
                Segundo a OAB da Paraíba, há mais de 15 tribos indígenas que praticam o infanticídio. Isso acontece por conta de sua prática religiosa milenar entorpecida e também pela compreensão de que essas crianças serão um peso e, portanto, devem ser eliminadas. Mais uma visão utilitarista das pessoas.
                Nesta hora, enquanto esta pastoral está sendo escrita em vários escritórios e salas de nosso país e mesmo do mundo, muitos empresários e políticos e seus camaradas tramam e combinam o quanto lucrarão em certos tipos de negócio e sempre em detrimento das pessoas. E também combinam como encobrirão os fatos e como vão esconder o dinheiro, mandando-o, certamente, para algum paraíso fiscal. Eles vivem nas nuvens, e boa parte da população, na lama.
                Nesta hora em vários templos evangélicos de nosso país pessoas são enganadas, um mundo de irrealidade e um “deus” inventado é vendido a elas, por um preço caro. E pessoas alienadas seguem seus líderes alienantes que não se importam nenhum um pouco com elas, só com suas gordas ofertas. Utilitarismo, mercantilismo e alienação dentro de templos. Bem que o cantor João Alexandre cantou: “a morte se esconde atrás dos templos”, pelos menos, de alguns.
Nesta hora bandidos se reúnem em vários lugares e pensam em como será o próximo roubo, o próximo assalto, o próximo golpe, a próxima vítima, a próxima invasão de uma casa ou de um banco ou loja ou empresa. As pessoas que serão roubadas não importam, os traumas gerados nelas, caso elas sobrevivam não importam, o que importa somente é o quanto será arrecadado, mesmo que seja as custas do sofrimento alheio. Utilitarismo para justificar o crime!
                Traficantes também pensam em como trazer sua mercadoria e engambelar a fiscalização. Eles pensam em como levar as drogas para as universidades, para as fábricas e até mesmo para o homem do campo e o homem de negócios. As pessoas são um meio para o seu fim. A destruição das vidas e famílias não se considera. Só o lucro e o poder. Utilitarismo com gosto de sangue das vítimas.
                Em contrariedade a essa visão utilitarista do ser humano, a Bíblia nos mostra o valor intrínseco de cada um e nos ensina que o ser humano nunca pode ser usado como o meio para se atingir algo, ou seja, o ser humano não pode ser coisificado, apenas pode e deve ser tratado como sujeito carregado de dignidade. Logo nas primeiras páginas do Livro Sagrado encontramos Deus criando o ser humano com todo carinho, imprimindo nele sua marca, sua preciosa imagem e semelhança (Gênesis 1.26). E é neste ato criador e amoroso de Deus que está a explicação para a dignidade de cada ser humano e tal dignidade lhe é intrínseca pois é prévia até mesmo a sua existência, pois é dádiva divina. Não é algo que se conquiste pelo esforço, ou pelo trabalho, ou pelo status, ou por empreendedorismo, ou pelo dinheiro, não mesmo. É algo dado como obra da graça.
                Se avançamos na leitura do texto bíblico vemos a leis de Moisés, criadas para que o povo de Deus construísse uma sociedade diferente das outras nações, onde todos tinham voz e vez, e os mais fracos eram cuidados com toda consideração e respeito.
                Na continuidade da leitura encontramos os profetas lutando com toda coragem, em nome do Senhor, contra os poderosos do governo e da religião. Defendendo a justiça, defendendo o direito, a retidão e a verdade. E orando assim em lágrimas: “Corra a justiça como as águas e a retidão, como o ribeiro perene”(Amós 5.24).  Por conta de sua compreensão de Deus e da vida foram perseguidos, lançados na cadeia e alguns até foram mortos. Lutaram, em nome de Deus, pelos mais fracos e vulneráveis de sua sociedade.
                Não poderíamos deixar de citar o Senhor Jesus, que representa a personificação do amor do Pai. Jesus revela a face de Deus, face, esta, cheia de ternura e misericórdia. Para mostrar como é o coração do Pai, Jesus nasce na terra de Belém, cidade sem importância nenhuma, e a geografia de Jesus é a geografia dos esquecidos, marginalizados, impuros e incapazes, isto, segundo a religião da época. A estes, e a todos que desejarem, Jesus revela o Reino, Jesus os acolhe, abraça e demonstra a graça divina com gestos ricos de comprometimento humano e no compartilhar de sua alegria singela.
Nos servos de Deus e no Filho de Deus não se vê utilitarismo. Nunca as pessoas foram usadas por eles, nunca tratadas como um meio, mas sempre como um fim. Sempre reconheceram sua dignidade intrínseca, seu valor próprio. Sempre as respeitaram e trataram com consideração. Mesmo quando as pessoas agiram erroneamente, mesmo quando pecaram, mesmo quando crucificaram ao Salvador, o Senhor clamou graciosamente por perdão sobre elas: “Elas não sabem o que fazem” (Lucas 25.34).
A Bíblia ensina que Deus amou o mundo (João 3.16) e isso quer dizer todas as pessoas de todos os tempos e de todos os tipos. E aprouve a Cristo, por misericórdia, morrer em prol de todos os seres humanos para lhes propiciar salvação. Portanto, quando olhar para qualquer ser humano, veja ali e alhures alguém amado por Deus e que tem dignidade intrínseca pois Deus assim o quis.
Que possamos nos espaços que participamos, inclusive na igreja e especialmente na família, ter uma visão bíblica do ser humano, reconhecendo seu valor e dignidade, tratando-o com todo respeito, sempre agindo esperançosamente, esperando que as pessoas que se encontram conosco, possam se encontrar com o Cristo. A linguagem de Deus para com o ser humano é a graça, nunca o utilitarismo.

Oremos para que o Deus de toda a graça nos capacite a sermos agentes da graça neste mundo mal e sofrido. Venha o teu Reino, Senhor! Amém.        

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