sexta-feira, 5 de março de 2010

O PREÇO DE CAMINHAR NA GRAÇA



Talvez você já esteja desconfiado com esta pastoral devido ao seu título. É possível que surja na sua mente a pergunta: “Como pode a graça ter um preço? Graça é dádiva, é dom, é presente, é benevolência, não pode ter um preço”. Peço um pouco de paciência, caro leitor, e tudo será explicado nos mínimos detalhes.

Acredito que seria um bom caminho definir as palavras que aparecem no título. É claro que quando dizemos que vamos definir algo, sempre se corre o risco de deixar muita coisa de fora, por isso tal tarefa exige humildade e um sentimento de pequenez diante daquilo que é inexplicável à razão, mas sentido e percebido na jornada da vida. Vou correr esse risco, então. Particularmente gosto muito da definição do Caio Fábio, a qual foi extraído de seu livro Sem barganhas com Deus; ele assim diz: “Graça é toda manifestação do amor criador-redentor de Deus— e que se expressou supremamente no Escândalo da Cruz—, que sempre é favor imerecido, incluindo a criação do ser, mesmo que seja um ser assim como sou! Pois, sou-serei-sendo já-sou, Nele!”. Note bem: graça é manifestação do amor, tanto na criação do mundo, quanto na redenção do humano, mediante Jesus Cristo, o qual se manifesta plenamente no Escândalo da Cruz. Ou seja, graça é bondade dadivosa, contudo traz junto de si uma morte, a morte de Jesus Cristo, nosso Senhor.

Você consegue perceber que há um preço grandioso pela graça? Entende que Cristo se desfez da sua glória, fez-se homem, assumiu forma de servo, e sofreu uma morte terrível, que é a morte de cruz? Compreende que a suma bondade divina é gratuita para nós, mas não o foi para Ele? Creio que todos podemos dizer em alto e bom som: “O preço da graça é muito caro”. Mas mesmo assim é graça, é favor imerecido, tanto para mim, quanto para você.

Ainda merece destaque a última parte da definição de Caio Fábio: “Pois, sou-serei-sendo já-sou, Nele!”. Aqui há um conceito quase imperceptível de caminho, o que já justifica o título desse texto. Ele afirma: “sou-serei-sendo-já sou”. Conforme interpreto, sua frase fala da construção do ser perante Deus, mediante Cristo. E isso se traduz simplesmente: caminho. Sinceramente, gosto demais dessa palavra, porque concentra em si uma das mais profundas experiências do ser humano em seu enfrentamento com a tarefa da vida. Visto que a vida nunca é um dado pronto e acabado, mas sempre uma tarefa a ser feita e conduzida. Portanto, viver é caminhar, e digo com segurança, caminhar na graça. E assim quando olho para mim mesmo vejo um peregrino, um caminhante, alguém que está em construção, alguém que está se desenvolvendo diante de Deus, alguém que já vive a graça, entretanto, ainda está em busca dela, um ser que percebe graça, todavia clama por ela, alguém que compreende graça, mas ainda está em busca de trilhar pelos caminhos altos e sublimes da graciosidade divina – Lembre-se: “sou-serei-sendo já-sou, Nele!”. Em Cristo eu vivo. Portanto, em Cristo sou peregrino. O poeta espanhol Antônio Machado disse: “Caminhante, não há caminho: faz-se caminho ao caminhar”. Isso significa que a graça tem que ser escolhida a cada dia na Jornada, em todo o momento diante do enfrentamento com a vida, mediante as situações que nos são apresentadas. Pois a vida, como já disse, nunca é algo pronto e acabado.  Perceba: “o caminho se faz ao caminhar”. É preciso, assim, escolher andar no caminho da graça sempre, tendo a certeza que no caminho de Deus, a graça atua do princípio ao fim. Como dizia o apóstolo do amor: “é graça sobre graça”. Eu quero trilhar por essa estrada.

Provavelmente a dúvida ainda persista : qual é o preço de caminhar na graça? O preço é a cruz de Cristo. Mas existe outro preço. Claro que não me refiro a boas obras ou algo que possa surgir como pretensão de obter mérito diante de Deus. Não. Nada disso. Refiro-me ao preço de escolher e tomar a firme decisão de andar na graça. Diante de um mundo que decide ser construído fundamentado no conceito de não-graça, a Igreja de Cristo deve, com voz profética, denunciar as maldades, injustiças, as distorções do evangelho, ou seja, os pecados. Isso também é trilhar na graça. Além disso, recusar-se a pregar e aceitar uma mensagem de quase-graça, que não sendo totalmente graça acaba se tornando des-graça, visto que não é a verdade do Senhor. Não aceitemos isso. Paguemos o preço de andar na graça, isso significa que o ego muitas vezes deve ser calado para a glória de Deus. Um novo rumo necessita ser tomado. Novas perspectivas construídas, relacionamentos transformados, uma reinvenção de si, através do poder e da obra de Cristo. Em suma, uma nova esperança, para um novo tempo, alicerçado na graça. Para isso, é fundamental olhar para a vida com outros olhos. É preciso dar total espaço e liberdade para a justiça, misericórdia, bondade, respeito à dignidade humana, amizade, fidelidade, perdão, paciência, amabilidade, alegria, mansidão, temperança.

Saiba de antemão que não é fácil andar por esse caminho, esse caminho, como já ensinou nosso Senhor, é estreito. Demasiadamente estreito. Não dá pra levar na mala o orgulho, a mentira, a barganha com Deus, os méritos humanos, o egocentrismo, os interesses mesquinhos, as atitudes medíocres, as manipulações de outrem, o aproveitamento dos mais fracos. Não. Definitivamente não. Deixe tais bugigangas humanas para trás.

Pela misericórdia de Deus, não barateie a graça, não a institucionalize, não impeça sua ação, não duvide do seu poder e do seu alcance, não vire as costas pra ela, não diga em seu coração: “não preciso dela”. Pague o preço de caminhar na graça, e viva e desfrute da graça no caminho. Todos os dias as situações da vida vão fazer a seguinte pergunta a você: graça ou não-graça? Eu creio piamente que Jesus responderia: “Graça”. E você?   

                                                                                                            Pastor Laurencie

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