Jesus
e as mulheres
Sempre é um privilégio poder falar de
Jesus Cristo. E falar de sua prática e atitude para com as mulheres é um privilégio
demasiadamente gratificante, ainda mais pelo fato de ontem ser o dia que se
comemora o dia internacional da mulher, dia pra celebrar muitas conquistas
realizadas. Diante desse contexto, esta pastoral foi escrita para homenagear as
mulheres e chamar a atenção para as muitas lutas que ainda precisam ser
vencidas. Acredito piamente que é impossível falar da devida valorização da
mulher e equidade com os homens sem falar de Jesus. Devemos reconhecer que há
uma gigantesca distância cultural entre
nós que estamos no século XXI e o mundo na Palestina do primeiro século. Cito o
autor Paulo Brabo que diz: “Essa distância
cultural certamente nos impede de apreender toda a extensão da influência
de Jesus e a absoluta novidade de sua postura, mas é certo que nenhuma outra
figura masculina da antiguidade oriental – seja no domínio da realidade ou até
mesmo da ficção – sentiu-se mais a vontade entre as mulheres do que o Jesus
apresentado pelos evangelhos”.
Devo lembrar que não faz cem anos que
as mulheres alcançaram o status social igualitário no Ocidente, o que os
Evangelhos descrevem que ocorreu há dois mil anos.
Devo lembrar ainda que naquela
época um marido não deveria se dirigir à própria esposa em lugar público, e que
homem algum deveria trocar palavra com uma mulher desconhecida (em ambos os
casos para proteger a sua honra e não a dela), o Mestre de Nazaré buscava a
companhia amistosa de mulheres, puxava conversa com elas, tratava-as com
admiração e naturalidade, interessava-se sem demagogia pelos seus interesses,
permitia, gentilmente, que lhe tocassem em público, não só seu corpo, como no
caso da mulher que tinha hemorragia crônica, mas também permitia que lhe
tocassem o coração, como a mulher siro-fenícia, que foi até ele buscar cura
para sua filha (ver Marcos 7.24 a 30).
Vale dizer ainda que Jesus se
permitia ser ajudado financeiramente por algumas mulheres, tais como Maria
Madalena, Joana e Susana. Isso mesmo: Jesus viveu cercado por um grupo de
mulheres que, desafiando as restrições impostas por sua cultura, seguiu-o por
estradas poeirentas, enfrentando o desconforto a fim de sustentá-lo e aos
discípulos com bens materiais e, muito provavelmente, com aqueles pequenos
toques de carinho e cuidado feminino, oferecendo um pouco de conforto ao Mestre
amado (Lc 8:1-3).
Jesus não dava trela para o que
era dito sobre as mulheres naquela época. Olhava para as mulheres sem recorrer
às lentes do preconceito ou mesmo das idealizações. Jesus, simplesmente, lia as
mulheres como seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus. Simples
assim.
Em seu livro A missão da mulher Paul Tournier, famoso
psiquiatra cristão suíço, explica que mesmo uma leitura rápida dos evangelhos
deixa claro que, em geral, as mulheres compreenderam Jesus melhor e mais
depressa que os homens. Só para ilustrar:
Em dois episódios narrados em sequência no
evangelho de João, capítulos 3 e 4, Jesus tem um encontro com um homem e uma
mulher. Nicodemos era um homem importante, pois fazia parte do sinédrio, o
supremo tribunal judeu. Vinha de uma família aristocrática de Jerusalém e
possuía grande conhecimento das Escrituras. Ele procurou Jesus à noite, talvez
para não ser observado pelos companheiros de sinédrio. Sua saudação a Jesus
indica que ele acreditava estar diante de alguém enviado por Deus. No entanto,
ficou confuso quando Jesus lhe falou sobre a necessidade de um novo nascimento,
um renascimento espiritual. Em João 4, Jesus tem outro encontro individual,
dessa vez com uma pessoa cujas referências eram as piores possíveis: pertencia
a um povo miscigenado, intensamente desprezado pelos judeus e, além disso, era
mulher. Judeu algum que se prezasse falava em público com uma mulher que não
fosse de sua família ou permitia que ela se aproximasse dele. Aquela tinha
ainda uma vida irregular. Mesmo para os nossos dias, tão liberais, uma mulher
que tenha casado cinco vezes e viva com outro homem é considerada, no mínimo,
complicada. No tempo de Jesus, era um escândalo. No entanto, foi a ela que
Jesus declarou pela primeira vez ser o Messias, Filho de Deus. A mulher não
hesitou. Aceitou de braços abertos a notícia e correu a espalhá-la entre todos
os que se dispuseram a ouvir.
Só para enfatizar: a primeira
pessoa a qual Jesus revelou sua identidade messiânica foi para uma mulher – a
mulher samaritana; a primeira testemunha da ressurreição também foi uma mulher
– Maria Madalena. Interessante isso!
Enfim, Jesus levou as mulheres a
sério, considerando-as pessoas com quem poderia conversar e capazes de
compreender suas revelações sobre Deus. Ele as ensinou, repreendeu quando
necessário, nunca se mostrou complacente para com seus erros. Perdoou-lhes os
pecados, restaurou-lhes a dignidade humana, ofereceu-lhes seu amor e a visão do
lugar que podiam ocupar no reino de Deus. Conforme diz Wanda de Asssumpção: “Ele
se mostrou livre de qualquer preconceito, falando às mulheres da mesma forma
que falava aos homens, com o mesmo respeito, a mesma confiança, as mesmas
exigências e as mesmas promessas”.
Cito mais uma vez Wanda de
Asssumpção, que fala maravilhosamente às mulheres:
Jesus já não
se encontra corporalmente entre nós. Não podemos tocar- lhe a orla das vestes.
Não podemos derramar-lhe unguento sobre a cabeça, nem lavar-lhe os pés com
nossas lágrimas e enxugá-los com nossos cabelos. Não podemos sentir o toque de
sua mão em nossas feridas. Não podemos ouvir sua voz nos instruindo, exortando
e perdoando. O relacionamento das mulheres com Jesus hoje se dá no plano
espiritual.
Mas, por isso
mesmo, é ainda mais íntimo. Na pessoa de seu Espírito Santo, ele agora habita
dentro de nós. Podemos, sim, derramar diante dele as lágrimas. Podemos sentir
sua proteção e seu cuidado como um manto seco e quente colocado sobre nossos
ombros quando estamos encharcadas pelas tempestades desta vida, tremendo de
medo e apreensão. Podemos sentir sua mão limpando nossas feridas, trazendo cura
e alívio à dor das rejeições. Podemos, ainda, ouvir perfeitamente sua voz falar
ao coração, se estivermos atentas e em comunhão com ele. Jesus veio para nos
libertar das inquietações, tristezas, tribulações, angústias, carências, da
necessidade de amor e sentido de vida, oferecendo- nos a água viva do seu amor.
Ele quer restaurar a essência da feminilidade que o pecado distorceu e
contaminou. Por isso, vem ao nosso encontro onde nos encontramos, muitas vezes
atarefadas, tentando suprir nossas necessidades e as de outras pessoas,
enquanto nosso próprio coração permanece ressequido e vazio.
Vivendo num país que pode ser
chamado, sem sombra de dúvida, de a terra da injustiça, ainda há muita
violência de todos os tipos contra as mulheres. O que lamentamos profundamente.
Mas hoje, como cristãos, devemos reassumir nosso compromisso com Deus, na
presença de Jesus Cristo, de respeitar a dignidade intrínseca de cada ser
humano, especialmente os mais frágeis. Louvamos a Deus pois muitas mudanças
para o bem já estão acontecendo. E oramos e lutamos para que a graça de Deus
possa contagiar toda a sociedade, proporcionando, assim, um profundo respeito e
trato em amabilidade e bondade para com as mulheres. Almejamos pelo dia em que
a justiça e o conhecimento da glória de Deus cobrirá a terra, assim como as
águas cobrem o mar (Habacuque 2.14). E cremos com todo o coração que veremos a
bondade do Senhor na terra dos viventes (Salmo 27.13). Deus as abençoe. Deus
nos abençoe. Amém.
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