Certamente a igreja
de Cristo precisa de um despertamento urgente. Como disse Jesus, “os campos
estão brancos para a colheita”, ademais o sofrimento no mundo é gigantesco e em
muito de nossos templos, supostamente cristãos, estão discutindo, há anos,
sobre o sexo dos anjos. O chamado divino para ser sal e luz no mundo tem sido
esquecido ou tradado levianamente. O despertamento, tão necessário, só
acontecerá quando todos nós nos voltarmos para o Senhor Deus com todo nosso
coração, alma, força, vontade e entendimento. Imaginemos que nós fossemos
passar por uma prova surpresa exatamente agora. A prova teria 6 questões. E as
perguntas seriam: Será que nós, como igreja, temos aprendido:
A pensar de forma
precisa?!
A se comportar
eticamente?!
A pregar
apaixonadamente?!
A cantar
alegremente?!
A orar honestamente?!
E a obedecer
fielmente?!
Fica aí as perguntas
para cada um fazer sua autoavaliação. Impulsionado por esses questionamentos, enfatizo
que não é possível pensar num relacionamento profundo com Deus, sem passar pela
compreensão e vivencia do Evangelho de Jesus de Nazaré. Infelizmente, muitos
crentes pensam que Evangelho é a mensagem que tem que ser pregada somente para
os não convertidos, mas isso não é verdade, isso não é verdade mesmo; o
Evangelho não é só para iniciantes na fé, como diz Tim Keller, “ele não é o ABC
da vida cristã, ele é o de A a Z da vida cristã”. E a igreja não só precisa
compreender o Evangelho com profundidade, mas precisa viver de acordo com ele.
Ou seja, o Evangelho é um desafio constante para igreja do Senhor, e a Bíblia
nos mostra, em muitos exemplos, que muitas igrejas se afastaram do Evangelho de
Deus. Por isso precisamos vigiar e orar para não transformarmos a mensagem
radical de Jesus numa água com açúcar que não faz diferença na vida de ninguém.
Por isso gostaria de
pensar sobre o Evangelho da Crise. E o objetivo deste texto é que compreendamos
que Evangelho de Jesus toca, questiona e transforma nossa vida em todas as
dimensões, pois não há nenhuma área da vida humana que Cristo não queira
exercer seu Senhorio.
Definindo
a palavra crise
É comum ouvirmos a
palavra crise, principalmente nos dias atuais em nosso país e em muitos países
da América Latina. E geralmente a ideia que se tem de crise é pejorativa. Segundo
Leonardo Boff no livro – Crise: oportunidade de crescimento – crise, etimologicamente,
pode significar “desembaraçar” ou “purificar”. A crise age como um crisol
(elemento químico) que purifica o ouro ou a prata das impurezas, acrisola
(purifica, limpa) dos elementos que se incrustaram e podem comprometer a
substância. Crise, neste sentido, purificar para manter o cerne, a essência. De
crise vem ainda a palavra critério que é a medida pela qual se pode julgar e
distinguir o autêntico do inautêntico, o bom do mau. A crise é uma
descontinuidade e uma perturbação dentro da normalidade da vida provocada pelo
esgotamento das possibilidades de crescimento de um arranjo existencial. A
crise acontece quando os modelos existenciais pré- estabelecidos já não dão
mais conta da realidade. Os paradigmas estão caducos. Daí vem a crise. Que gera
uma perturbação no sistema para transformá-lo.
Às vezes, Deus faz
isso conosco. O vento dele sopra, faz uma bagunça na nossa vida para colocar as
coisas no devido lugar. O sofrimento é algo que Deus pode usar neste sentido.
O sistema capitalista
como se apresenta hoje já mostra sinais de desgaste. É por isso que existem
tantas crises. Este modelo de consumo ad infinitum não vai resistir por muito
tempo. As escolas, com seu modelo de ensino tradicionalista não dão conta das
demandas de hoje. Poderíamos ainda citar o modelo político de nosso país e
sistema carcerário. As próprias igrejas têm passado por crises porque seus
paradigmas já não dão conta da complexidade da pós-modernidade.
Mas o Evangelho de
Jesus não envelhece nunca e sempre traz a Boa Notícia de Deus aos homens e
mulheres de todos os tempos, de todos os lugares e de todas as culturas.
O
Evangelho da Crise
Usamos a expressão o
Evangelho da Crise porque o Evangelho de Jesus, sua mensagem transformadora de
salvação que afirma que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo,
provoca crise. O Evangelho de Jesus é um incomodo para todos os sistemas
inclusive para os sistemas religiosos. Exemplifiquemos rapidamente, pensando em
modelos e estruturas que haviam no tempo de Jesus: Jesus gera crise no modelo fariseu da vida. Eles pregavam, como
preparação para a estourar do reino, a estrita observância da lei. Abordavam a
realidade com categorias preconcebidas e moralizantes: justo e injusto, piedoso
e ímpio, próximo e não próximo. Jesus, provoca este sistema ao afirmar que as
pessoas não são aceitas por Deus com base em méritos e prática da lei mosaica e
da tradição da religião. Parafraseando Paulo Brabo: “Jesus Cristo era
considerado pelos religiosos de sua época um judeu desaforado, por pregar que
as pessoas eram aceitar por Deus com base em seu próprio cavalheirismo e
graciosidade, mediante ao sacrifício de Jesus”. E não no cumprimento das regras
da tradição.
Jesus gera ainda crise
na modelo de vida dos essênios. Os
essênios eram uma comunidade de monges de grande rigorismo, vivendo nos
mosteiros de Qunran, perto do Mar Morto. Conforme os manuscritos descobertos em
1948, eles excluíam do reino todo aleijado das mãos, dos pés, cego, surdo, mudo
ou portador de qualquer mácula. Cristo, pelo contrário, convida a participar na
ceia do Reino os pobres, aleijados, cegos e coxos. “ O servo voltou e contou
tudo a seu senhor. Então, indignado, o dono da casa disse ao servo: Sai
depressa para as ruas e becos da cidade e traze aqui os pobres, os aleijados,
os cegos e os mancos.” (Lucas 14.21) Entre os essênios ainda reinava a mais
rigorosa ordem hierárquica sob a alta direção sacerdotal. Em vez de hierarquia
Cristo ensina a hierodulia (serviço
sagrado): Aquele que quiser ser maior seja o servidor, e aquele que
quiser ser o primeiro seja escravo de todos. (Mc 10.43 e 44)
Jesus também gera
crise na mentalidade de vida dos zelotes.
Os zelotes eram um grupo de guerrilheiros piedosos que lutavam por uma
teocracia política. Os zelotes queriam provocar a intervenção de Deus através
de atos de ódio e terror. Mas Cristo propaga uma mensagem de amor e perdão. E
diz que seu Reino não deste mundo e não se baseia nas prerrogativas deste
mundo. Até mesmo na cruz Jesus demonstrou sua mansidão. Ao exercitar para
consigo mesmo o poder de não usar violência: não pedir fogo do céu, não aceitar
a espada como instrumento de vingança. Para o modelo de vida dos zelotes, Jesus
era subversivo. Poderia citar outros exemplos, como os saduceus. Mas vamos citar um último e parar por aqui.
Jesus
gera crise na vida dos discípulos
Jesus gerou uma crise
na vida dos discípulos quando eles ainda nem eram discípulos. É importante retomarmos
o conceito de crise que estamos usando aqui, que é algo que desembaraça e
purifica, algo que faz as coisas serem de fato o que são, trazer de volta ao
cerne, voltar para a essência, provoca e questiona um determinado sistema de
vida para propor novos modelos e arranjos existenciais. Toda a vida de Jesus,
neste sentido que estamos falando, é uma provocadora de crises. Até mesmo em
seu nascimento, que abalou as estruturas do palácio de Herodes, provoca crise ainda
na estrutura de vida dos judeus pois o Senhor vem, a priori, para os que eram
seus (do seu povo), mas os seus não o recebem (João 1.11). Gera crise quando
ele surge pregando o Evangelho do Reino e aceitando com base na fé e por meio
da graça, pessoas fora do sistema como os leprosos, crianças e mulheres. Ele
abalou as estruturas do pensamento e de vida da sociedade de seu tempo. E é
essa crise que ele provoca naqueles homens daquele tempo, quando depois da
prisão de João Batista, ele começa a pregar: “O Reino de Deus está próximo.
Arrependei-vos e crede no Evangelho”. É por isso que Simão, André, Tiago e João
imediatamente a se encontrarem com Jesus abandonam seu modelo antigo de viver.
Ao dizer que o Reino está próximo, não está querendo dizer que vai chegar daqui
a pouco, como quem fala de uma proximidade em termos de tempo. Ele está dizendo
que o Reino está acessível, Jesus está prometendo acesso a uma realidade
vivencial. E Reino é o ambiente em que a vontade de seu soberano é exercida sem
restrições e resistências. Ou seja, Jesus está dizendo que o ser humano pode
participar do ambiente em que as coisas funcionam do jeito de Deus, onde a
realidade humana está em harmonia com a realidade divina. E para ter acesso a
este Reino ele fala de arrependimento, metanoia, mudança da mente, expansão
da consciência, capacidade de enxergar as coisas de um outro prisma o mesmo
enxergar a vida de perspectiva mais completa. É a experiência que permite as
pessoas dizerem eu mudei e a minha vida nunca mais será a mesma. Não consigo
ver as coisas do mesmo jeito de sempre. Mudança de atitude. Mudança de
comportamento. Mundança de rota (Ver o livro Vivendo com Propósitos de Ed René
Kivitz).
Quem se arrepende
abandona uma direção de vida e toma outra. É preciso aceitar que nosso modelo
antigo de viver confrontava Deus e precisamos nos render a Ele dia a dia. O
Evangelho da crise questiona nosso sistema de vida para nos colocar no lugar
certo.
Conclusão
É tempo de servirmos
ao Senhor de verdade, com alma e integridade, sem querermos perverter sua
mensagem só para ficarmos numa zona de conforto com a consciência alienadamente
tranquila. Se o Evangelho não tem gerado crises em nossos sistemas e paradigmas
de vida é porque certamente o evangelho que afirmamos crer está desalinhado e
desajustado com aquela mensagem que saiu da boca de Jesus. Um evangelho
falsificado não terá condições e forças para transformar o coração humano,
muito menos para fazer diferença na sociedade. Deus tenha misericórdia de nós!