sábado, 7 de março de 2015


Jesus e as mulheres

Sempre é um privilégio poder falar de Jesus Cristo. E falar de sua prática e atitude para com as mulheres é um privilégio demasiadamente gratificante, ainda mais pelo fato de ontem ser o dia que se comemora o dia internacional da mulher, dia pra celebrar muitas conquistas realizadas. Diante desse contexto, esta pastoral foi escrita para homenagear as mulheres e chamar a atenção para as muitas lutas que ainda precisam ser vencidas. Acredito piamente que é impossível falar da devida valorização da mulher e equidade com os homens sem falar de Jesus. Devemos reconhecer que há uma gigantesca distância cultural entre nós que estamos no século XXI e o mundo na Palestina do primeiro século. Cito o autor Paulo Brabo que diz: “Essa distância cultural certamente nos impede de apreender toda a extensão da influência de Jesus e a absoluta novidade de sua postura, mas é certo que nenhuma outra figura masculina da antiguidade oriental – seja no domínio da realidade ou até mesmo da ficção – sentiu-se mais a vontade entre as mulheres do que o Jesus apresentado pelos evangelhos”.
Devo lembrar que não faz cem anos que as mulheres alcançaram o status social igualitário no Ocidente, o que os Evangelhos descrevem que ocorreu há dois mil anos.
                Devo lembrar ainda que naquela época um marido não deveria se dirigir à própria esposa em lugar público, e que homem algum deveria trocar palavra com uma mulher desconhecida (em ambos os casos para proteger a sua honra e não a dela), o Mestre de Nazaré buscava a companhia amistosa de mulheres, puxava conversa com elas, tratava-as com admiração e naturalidade, interessava-se sem demagogia pelos seus interesses, permitia, gentilmente, que lhe tocassem em público, não só seu corpo, como no caso da mulher que tinha hemorragia crônica, mas também permitia que lhe tocassem o coração, como a mulher siro-fenícia, que foi até ele buscar cura para sua filha (ver Marcos 7.24 a 30).
                Vale dizer ainda que Jesus se permitia ser ajudado financeiramente por algumas mulheres, tais como Maria Madalena, Joana e Susana. Isso mesmo: Jesus viveu cercado por um grupo de mulheres que, desafiando as restrições impostas por sua cultura, seguiu-o por estradas poeirentas, enfrentando o desconforto a fim de sustentá-lo e aos discípulos com bens materiais e, muito provavelmente, com aqueles pequenos toques de carinho e cuidado feminino, oferecendo um pouco de conforto ao Mestre amado (Lc 8:1-3).
                Jesus não dava trela para o que era dito sobre as mulheres naquela época. Olhava para as mulheres sem recorrer às lentes do preconceito ou mesmo das idealizações. Jesus, simplesmente, lia as mulheres como seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus. Simples assim.
                Em seu livro A missão da mulher Paul Tournier, famoso psiquiatra cristão suíço, explica que mesmo uma leitura rápida dos evangelhos deixa claro que, em geral, as mulheres compreenderam Jesus melhor e mais depressa que os homens. Só para ilustrar:

Em dois episódios narrados em sequência no evangelho de João, capítulos 3 e 4, Jesus tem um encontro com um homem e uma mulher. Nicodemos era um homem importante, pois fazia parte do sinédrio, o supremo tribunal judeu. Vinha de uma família aristocrática de Jerusalém e possuía grande conhecimento das Escrituras. Ele procurou Jesus à noite, talvez para não ser observado pelos companheiros de sinédrio. Sua saudação a Jesus indica que ele acreditava estar diante de alguém enviado por Deus. No entanto, ficou confuso quando Jesus lhe falou sobre a necessidade de um novo nascimento, um renascimento espiritual. Em João 4, Jesus tem outro encontro individual, dessa vez com uma pessoa cujas referências eram as piores possíveis: pertencia a um povo miscigenado, intensamente desprezado pelos judeus e, além disso, era mulher. Judeu algum que se prezasse falava em público com uma mulher que não fosse de sua família ou permitia que ela se aproximasse dele. Aquela tinha ainda uma vida irregular. Mesmo para os nossos dias, tão liberais, uma mulher que tenha casado cinco vezes e viva com outro homem é considerada, no mínimo, complicada. No tempo de Jesus, era um escândalo. No entanto, foi a ela que Jesus declarou pela primeira vez ser o Messias, Filho de Deus. A mulher não hesitou. Aceitou de braços abertos a notícia e correu a espalhá-la entre todos os que se dispuseram a ouvir.
               
                Só para enfatizar: a primeira pessoa a qual Jesus revelou sua identidade messiânica foi para uma mulher – a mulher samaritana; a primeira testemunha da ressurreição também foi uma mulher – Maria Madalena. Interessante isso!
                Enfim, Jesus levou as mulheres a sério, considerando-as pessoas com quem poderia conversar e capazes de compreender suas revelações sobre Deus. Ele as ensinou, repreendeu quando necessário, nunca se mostrou complacente para com seus erros. Perdoou-lhes os pecados, restaurou-lhes a dignidade humana, ofereceu-lhes seu amor e a visão do lugar que podiam ocupar no reino de Deus. Conforme diz Wanda de Asssumpção: “Ele se mostrou livre de qualquer preconceito, falando às mulheres da mesma forma que falava aos homens, com o mesmo respeito, a mesma confiança, as mesmas exigências e as mesmas promessas”.
                Cito mais uma vez Wanda de Asssumpção, que fala maravilhosamente às mulheres:

Jesus já não se encontra corporalmente entre nós. Não podemos tocar- lhe a orla das vestes. Não podemos derramar-lhe unguento sobre a cabeça, nem lavar-lhe os pés com nossas lágrimas e enxugá-los com nossos cabelos. Não podemos sentir o toque de sua mão em nossas feridas. Não podemos ouvir sua voz nos instruindo, exortando e perdoando. O relacionamento das mulheres com Jesus hoje se dá no plano espiritual.
Mas, por isso mesmo, é ainda mais íntimo. Na pessoa de seu Espírito Santo, ele agora habita dentro de nós. Podemos, sim, derramar diante dele as lágrimas. Podemos sentir sua proteção e seu cuidado como um manto seco e quente colocado sobre nossos ombros quando estamos encharcadas pelas tempestades desta vida, tremendo de medo e apreensão. Podemos sentir sua mão limpando nossas feridas, trazendo cura e alívio à dor das rejeições. Podemos, ainda, ouvir perfeitamente sua voz falar ao coração, se estivermos atentas e em comunhão com ele. Jesus veio para nos libertar das inquietações, tristezas, tribulações, angústias, carências, da necessidade de amor e sentido de vida, oferecendo- nos a água viva do seu amor. Ele quer restaurar a essência da feminilidade que o pecado distorceu e contaminou. Por isso, vem ao nosso encontro onde nos encontramos, muitas vezes atarefadas, tentando suprir nossas necessidades e as de outras pessoas, enquanto nosso próprio coração permanece ressequido e vazio.


                Vivendo num país que pode ser chamado, sem sombra de dúvida, de a terra da injustiça, ainda há muita violência de todos os tipos contra as mulheres. O que lamentamos profundamente. Mas hoje, como cristãos, devemos reassumir nosso compromisso com Deus, na presença de Jesus Cristo, de respeitar a dignidade intrínseca de cada ser humano, especialmente os mais frágeis. Louvamos a Deus pois muitas mudanças para o bem já estão acontecendo. E oramos e lutamos para que a graça de Deus possa contagiar toda a sociedade, proporcionando, assim, um profundo respeito e trato em amabilidade e bondade para com as mulheres. Almejamos pelo dia em que a justiça e o conhecimento da glória de Deus cobrirá a terra, assim como as águas cobrem o mar (Habacuque 2.14). E cremos com todo o coração que veremos a bondade do Senhor na terra dos viventes (Salmo 27.13). Deus as abençoe. Deus nos abençoe. Amém.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Coração no Reino

“Pois onde estiver teu tesouro, aí estará também teu coração” (Mateus 6.21)

                Nos Evangelhos, Jesus ensina que o Reino de Deus é como um precioso tesouro que um homem encontrou num campo e que a partir do encontro com aquele luminoso tesouro todo o resto em sua vida obscureceu-se para ganhar nova luz, ou seja, ela abriu mão de tudo que tinha para adquirir aquele campo e assim ter aquele tesouro.
Quando Paulo conta de sua trajetória de vida, diz que: “Sim, de fato também considero todas as coisas como perda, comparadas com a superioridade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, pelo qual perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo” (Filipenses 3.8).
Quando Paulo abriu os olhos para o Reino de Deus, tudo o mais perdeu o brilho e a existência na sua completude passou a ser iluminada por Cristo que é a luz da vida.  
                Pelo Reino de Deus, o próprio Cristo “não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo assumindo forma de servo e fazendo-se semelhantes aos homens” (Filipenses 2.6 e 7).
                Quando Mateus, o publicano, se encontrou com Jesus, que é a personificação do Reino de Deus, imediatamente ele deixou a banca dos impostos para seguir o Sumo Mestre por  toda a vida.
                No dia em que a luz do Reino de Deus brilhou na vida de Estevão, a própria morte perdeu seu poder sobre ele. O Reino foi sua opção de viver e morrer.
                Pelo Reino de Deus, Zaqueu se dispôs no coração, diante de Cristo, devolver todo dinheiro – com juros – que tinha adquirido injustamente.
                Por causa dos valores do Reino, João Batista foi decapitado e o discípulo João – o apóstolo do amor – foi exilado na ilha de Patmos.
                Por amor ao Reino de Deus, cristãos foram jogados no coliseu entre as feras.
                Pela visão implantada nele pelo Reino de Deus, Bartolomeu de Las Casas ousou defender o direito humano dos índios em plena época de colonização. 
Pelas verdade do Reino de Deus, Dietrich Bonhoeffer estando nos E.U.A a estudo, se juntou aos irmãos da igreja Confessante na Alemanha para combater o nazismo, acabou preso e enforcado.
                Pela chama que o Reino de Deus acendeu em seu coração, Martin Luther King Junior enfrentou, sem violência, o duro regime de apartheid nos E.U.A. Ele foi assassinado.
                Por causa do Reino de Deus, a missionária Dorothy Mae Stang, lutava pela dignidade de trabalhadores do campo no Pará, enfrentando poderosos fazendeiros. Foi assassinada com 6 tiros.
Por causa do Reino de Deus, cristãos coptas não negaram a Cristo lá no distante país da Líbia, mesmo diante da ferocidade e violência do Estado Islâmico. Eles foram decapitados.
Inúmeros exemplos poderiam ser dados para demonstrar que quando alguém se encontra com o Cristo e abre os olhos e o coração para seu Reino a vida nunca mais é a mesma. Porque tais pessoas são transformadas de dentro pra fora, e mesmo ameaçadas, às vezes vivendo em escassez e até correndo diversos perigos insistem perseverantemente a servir ao seu Senhor que é Cristo. O Reino faz com que Cristo brilhe em nós e para nós como o sol do meio dia, e assim, as demais coisas são reinterpretadas, revistas e reconsideradas a partir dessa luz preciosa.
                Por causa do Reino, pessoas deixam sua terra e sua parentela e vão levar a luz de Cristo a povos distantes. Por causa do Reino, pessoas se tornam generosas, prontas a ajudar quem precisa. Por causa do Reino, pessoas aprendem a amar seus inimigos e orar por quem as persegue. Por causa do Reino, pessoas lutam contra seus próprios vícios e mazelas, tratam com amor quem lhes prejudicou, agem com misericórdia para com os que sofrem, vivem em comunhão com a igreja apesar dos problemas, incoerências e apesar das coisas que não concorda. E como vimos nos exemplos, pelo Reino, as pessoas se entregam totalmente a Causa de Deus a ponto de até morrerem por isso.
Creio que um cristão sério não seria leviano de pensar que seguir a Cristo e vivenciar os valores do Reino não exija um grande preço a pagar, uma renuncia, uma descentralização do ego, um esforço, uma dedicação, um sofrimento, uma vida. Como diz Bonhoeffer, “não poderia ser barato para nós o que para Deus custou tão caro”. E você tem o coração no Reino ou o seu cristianismo é só discurso?! 
               
                                                                                                                                             Laurencie, 

sábado, 22 de março de 2014

Qual o limite da desumanidade?


“Corra a justiça como as águas, e a retidão, como o ribeiro perene” (Amós 5.24)

Todos acompanhamos perplexos a história da Claudia Silvia Ferreira, que foi morta por policiais no Rio de Janeiro e depois arrastada por vários quilômetros pelas ruas da cidade. Os policiais, como de praxe, não assumiram seus erros e inventaram histórias, implantaram supostos indícios de envolvimento com o tráfico, tentando criar sobre aquela pobre mulher uma imagem de parceira da criminalidade. O que não é verdade. Mas qual a importância da verdade num mundo que jaz no maligno? (I João 5.19)
                Como diria o autor de Eclesiastes: “quanto maior o conhecimento, maior a tristeza” (Eclesiastes 1.18), ou seja, se alguém tem um olhar mais profundo da realidade da vida, tende a sofrer mais, pois vê as coisas como são de fato. Sem ilusões. Sem percepções falsas. E como a realidade é triste, a família da C.S.F. que o diga.
                É triste perceber que no país que você nasceu, cresceu, aprendeu a amar e está construindo sua vida, boa parte das estruturas sociais estão falidas e desvirtuadas. É duro saber que a justiça na sua terra só funciona para uma pequena classe privilegiada, o que na verdade é uma tremenda injustiça. É demasiadamente triste compreender que em nosso país uma vida humana, a vida de alguém criado a imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1.26), a vida de uma senhora batalhadora que busca vencer e dar sentido para sua vida é tratada como nada. É de chorar perceber que nossas cidades estão mergulhadas em desumanidade, isto é, nossas cidades são caracterizadas por desamor, desafeto, injustiça, incompreensão, intolerância, violência, horror, desprezo e repugnância pela vida.
                Ao longo da Bíblia profetas, sacerdotes e outros servos e servas do Senhor Deus lamentaram e choraram pelo seu povo, por sua terra, por suas cidades. Eles buscaram em Deus sabedoria para olhar com profundidade para a realidade e buscaram força para não aceitar a realidade como ela se dava. Essas pessoas, pelo seu compromisso com o Senhor e seus ensinamentos, jamais aceitaram o status quo. Veja o exemplo de Habacuque:  “Até quando clamarei, e não escutarás, SENHOR? Ou gritarei a ti: Violência! E não salvarás? Por que razão me fazes ver a maldade e a opressão? A destruição e a violência estão diante de mim; também há contendas, e o litígio é comum. Por causa disso a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta, pois o ímpio cerca o justo, de modo que a justiça é pervertida.” (Habacuque 1.2 a 4). A crítica de Miquéias é bem aguda também, até parece que ele é nosso contemporâneo: “O homem piedoso foi aniquilado da terra; não há sequer um justo entre os homens; todos armam ciladas para derramar sangue; cada um caça seu irmão com uma armadilha. As suas mãos estão aptas para fazer o mal. O príncipe e o juiz exigem suborno; os nobres impõem seu próprio desejo. Todos eles tramam o crime. O melhor deles é como um espinheiro; o mais justo é pior que uma cerca de espinhos”. (Miquéias 7.2 a 4a). Poderíamos citar ainda Jeremias, Amós, Oséias, Zacarias e outros. O próprio Jesus ao contemplar as multidões percebeu tantas tribulações, dores e sofrimentos que foi tomado por indignação e compaixão, e reconhecendo que “os trabalhadores são poucos” ensinou uma oração desafiadora: “rogai ao Senhor da colheita que mande trabalhadores para a sua colheita” (Mateus 9.35 a 38). E a grande lição desta oração de Jesus é que o cristão que a ora se torna a própria resposta para tal oração. Como não considerar tais ensinamentos?!
                Se olhamos para a morte da senhora C.S.F. com indignação, se olhamos para sua família e tantas outras famílias com histórias parecidas, com compaixão, e se clamamos a Deus, dia e noite, por misericórdia para nossas cidades e nos comprometemos diariamente com Senhor para a transformação da realidade então estamos trilhando por um caminho que foi traçado há muito tempo, iniciado com os profetas, passando por Jesus e atingindo seu ápice nele, e vivenciado por muitos servos e servas do Senhor ao longo da sua jornada existencial. A este caminho damos o nome de Reino de Deus, o Reino da justiça. Agora, se somos indiferentes e insensíveis a tanta dor que há nesse mundo, então, certamente o nosso cristianismo é questionável.  Não agir com compaixão neste mundo decadente é estar desconectado daquilo que está no coração de Deus.
                A escritora Marina Colasanti em sua crônica "Eu sei, mas não devia" trata de um estado de inércia e insensibilidade que perpassa por toda a sociedade. Em um trecho ela diz assim: "Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. [...] A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração".
              Que nós que participamos conscientemente da graça do Senhor nunca nos conformemos com essa realidade tão triste que tem sido demonstrada em nosso país. Que nunca aceitemos esse sistema maligno que não respeita a dignidade intrínseca e a sacralidade de cada vida. Que nunca nos acostumemos com tanta desumanidade.
              Quando penso na história da senhora C.S.F meu coração se enche de tristeza  e indignação, e assim, me junto ao salmista que ora: “Creio que verei a bondade do Senhor na terra dos viventes” (Salmo 27.13) e também repito as palavras do apóstolo João: Maranata, ora vem, Senhor Jesus! (Apocalipse 22.20)
               
                                                                                                                Laurencie, um pastor indignado.

                 

terça-feira, 22 de maio de 2012

Celebrando a vida


 
Celebrando a vida

Introdução
                   Esta parábola é conhecida como a parábola do filho pródigo[1]. Ela conta a história de um jovem que não estava satisfeito com sua vida na fazenda ao lado de seu pai e seu irmão (o texto não fala nada sobre a mãe). Não satisfeito com sua vida, com o coração cheio de inquietações e fantasias, tal jovem acreditava que sua vida se realizaria bem longe dali.
                   Assim, de uma maneira desrespeitosa[2] pede ao pai que lhe dê a sua parte na herança, pois iria viver sua vida num lugar onde as coisas seriam bem “melhores” do que ali, pertinho do pai.
                   Dessa forma, o filho pega sua parte da herança, vai para uma terra distante. Vive dissoluta e irresponsavelmente. Gasta todos os seus bens em festas com mulheres e “amigos”. E acaba sem nada. Acaba na solidão. Bem que o autor de Provérbios disse: “Há caminhos que ao homem parece ser bom, mas seu fim, são caminhos de morte” (Provérbios 14.12).
                   Estando num estado de lamaçal, marcado por uma completa indignidade, este rapaz cai em si e se lembra que tem um pai que cuida de todos os que estão ao seu redor, inclusive dos servos que são tratados com todo respeito e consideração. Assim decide voltar.
                   Seu pai o recebe com todo carinho e amor. Perdoa-lhe sua tolice e escolhas equivocadas. Restitui-lhe a posição de filho e celebra jubilosamente sua restauração.
                   O irmão mais velho que nunca desrespeitou o pai, pelo menos, não como o irmão mais novo, fica indignado e decide não participar da festa. Fica emburrado e bicudo do lado de fora. O pai gentil e graciosamente tenta lhe abrir os olhos para sua miopia em relação ao que estava acontecendo: a alegria do pai é ter seus filhos por perto, vivendo sob seus cuidados e proteção, vivenciando do seu amor, misericórdia e benevolência.
Identificando os personagens
                   Fica evidente no contexto que o pai representa Deus, o Pai amoroso. Aquele que graciosamente está disposto a abençoar a todos. Deve ficar claro que a bênção de Deus se torna efetiva naqueles que se rendem aos seus pés e aceitam o seu padrão de vida. Já o filho mais novo representa todo ser humano pecador que em arrependimento e compreensão de sua miséria intrínseca se achega ao pai em busca de perdão, restauração, sentido de vida. O filho mais velho representa aqueles que prestam seu serviço ao pai – seja pela religião, seja por boas obras, seja pela moral – e por gostar tanto daquilo que fazem acabam admirados demais consigo mesmos, tornando-se orgulhosos e moralistas e não entendendo, assim, o amor generoso do pai aos pecadores arrependidos. Por confiarem demasiadamente no seu potencial de agradar a Deus acabam não compreendendo a dimensão de sua graça e amor. 
Aplicação
                   Através dessa parábola podemos extrair lições preciosas para nossa vida aqui e agora:
Lição 1: Deus festeja alegremente quando um pecador se arrepende de seus pecados, de seus descaminhos, de suas escolhas equivocadas e se achega a Ele em fé, humildemente, confiando na capacidade divina de agir com benevolencia, e busca, assim, perdão e restauração.
Lição 2: Não há uma vida tão estragada, tão deploravelmente marcada pela indignidade, que Deus não possa reconstruí-la através do seu amor generoso.
Lição 3: Na presença de Deus, um pecador arrependido não tem débitos. E um homem cheio de si mesmo, ainda que religioso, não tem créditos, visto que diante do Pai amoroso que age sempre por livre decisão de sua graça, não há barganhas a fazer.
Lição 4: Uma vida construída à luz dos paradigmas[3] do Pai é vida de celebração jubilosa (“feliz aquele que teme ao Senhor e anda nos seus caminhos” – Salmo 128.1). Vida longe do Pai é sinônimo de alienação e equivocidade (“[...] os ímpios não prevalecerão no julgamento, nem os pecadores, na assembleia dos justos” – Salmo 1.5).  
Lição 5: Não há cristão que não tenha agido como o irmão mais velho, com arrogância diante de um pecador. E não há cristão que não necessite de algum tipo de arrependimento, pois em muitas situações não se faz o bem que quer, mas o mal que não quer (Romanos 7.19).
Lição 6: A graça de Deus pode curar e restaurar uma vida marcada por escolhas erradas (irmão mais novo). E pode curar e restaurar também um coração cheio de narcisismo e orgulho (irmão mais velho).
Lição 7: Se seu coração se render diante da graça de Deus que é dada aos seres humanos por intermédio de Jesus – sua vida, morte e ressurreição – sua existência estará a partir desta decisão em sintonia e harmonia com o Pai amoroso, e suas bênçãos eternas atingirão o seu ser na sua completude.  
Lição 8:  A graça[4] é o jeito de Deus lidar com a humanidade e toda a criação. A graça é a linguagem de Deus. Que esta seja sua linguagem também! Que esta seja a nossa linguagem! Amém!
                                                                                 
                   Achegue-se com sinceridade e contrição diante do Deus de amor e usufrua, assim, de sua graça benevolente, restauradora e cheia de esperança! Isso, sim, é celebrar a vida!

                                                                                                          Pastor Laurencie


[1] Eu prefiro denominá-la de a parábola do Pai amoroso por entender que o personagem principal da parábola é o Pai e não o filho que era pródigo em fazer bobagens.
[2] No mundo bíblico é desrespeitoso para com o pai pedir sua parte na herança enquanto ele está vivo.
[3] Paradigmas = modelo, padrão, “jeitão” de fazer as coisas.
[4] Graça = dom, dádiva, presente, benevolência.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Quando os sonhos de Deus entram na gente - parte 2


“Tu me farás conhecer o caminho da vida; na tua presença há plenitude de alegria; à tua direita há eterno prazer” (Salmo 16.11)

“Fizeste-nos para Ti, e nosso coração vive inquieto enquanto não repousar em Ti!” (Agostinho de Hipona)

“Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos nEle!” (John Piper)

            Usar a expressão “sonhos de Deus” é apenar falar de forma poética e metafórica sobre a vontade dEle, sobre Seu querer, Seus intentos mais profundos, enfim, Seu Reino. Quando esses “sonhos” entram na gente, a vida ganha novo sentido, novo propósito, novo rumo. Podemos chamar essa vida de vida abundante engajada no Reino de Deus!
            Quando cristãos permitem que a vida de relacionamento com Deus se torne uma rotina domingueira cansativa, sem brilho, sem ânimo, sem uma busca profunda, sem ousadia, os planos dEle para nós são deixados de lado, e assim, mesmo vivendo uma vida chamada de religiosa, acabamos por estar a quilômetros do centro da Sua vontade. Para o estilo de viver que a Bíblia nos apresenta, isso é inadmissível. Por isso proponho outro paradigma de vida: “quando os sonhos de Deus entram na gente!”
            Quando os sonhos de Deus entram na gente os valores e prazeres do mundo são obscurecidos pela beleza de Deus, e nosso olhar se foca exclusivamente na Sua glória. Quando os sonhos de Deus entram na gente a Bíblia se torna nosso livro de cabeceira. Quando os sonhos de Deus entram na gente a vida de oração se torna amizade com o Pai e com nosso irmão mais velho, Jesus Cristo. 
           Quando os sonhos de Deus entram na gente olhamos para as pessoas como criaturas feitas à imagem e semelhança do Pai, por isso consideramos sua dignidade intrínseca. E, assim, colocamo-nos a disposição do Senhor e Mestre Jesus para abençoar tais pessoas.
            Quando os sonhos de Deus entram na gente nos tornamos bons pais, bons filhos, bons trabalhadores, bons estudantes.
            Quando os sonhos de Deus entram na gente aprendemos a ser transparentes e íntegros, tornamo-nos mais gentis, mais amigos, mais graciosos, menos egoístas, mais altruístas; assumimos, dessa forma, uma postura cavalheiresca diante de todos que nos cercam.
            Quando os sonhos de Deus entram na gente compreendemos que com Deus não há barganhas a fazer, afinal, Ele é movido por sua graça e boa vontade. Sendo assim, tudo que fazemos para Ele, o fazemos não esperando receber algo em troca, mas nos concentramos na glorificação do Seu nome. Fazemos simplesmente porque temos que fazer!
            Quando os sonhos de Deus entram na gente entendemos que quando mais aprendemos a nos alegrar e nos regozijar nEle, nossa alma é mais satisfeita. Por isso concentramos nossa vida naquilo que é essencial, louvar e adorar ao Criador e servir e abençoar as pessoas incansavelmente, sem murmurações, com o coração estupefato e maravilhado de alegria!
            Pergunto: os sonhos de Deus estão em você?! Se não, ainda dá tempo de mudar. Pense nisso!                                                                                                               
                                                                                                                                            Pr. Laurencie 

sábado, 5 de novembro de 2011

Quando os sonhos de Deus entram dentro da gente

“Quem mais eu tenho no céu, senão a Ti? E na terra não desejo outra coisa além de Ti?” (Salmo 73.25)

“Fizeste-nos para Ti, e nosso coração vive inquieto enquanto não repousar em Ti!” (Agostinho de Hipona)

            Teologicamente falando, Deus não sonha. Pois Deus tudo pode, tudo sabe e a tudo vê. A Palavra diz: que Ele faz tudo o que lhe apraz! Ou seja, Ele não precisa sonhar. O sonhar é algo que está enraizado no chão da existência humana e, assim, é característico de seres pequeninos, ínfimos, limitados, vulneráveis, presos ao tempo como nós. Então qual é o sentido de falar sobre os sonhos de Deus?!
            Um pensador chamado Wittgenstein disse que o limite do homem é a sua linguagem. Isto é, a linguagem é a expressão daquilo que conseguimos compreender. Por isso, ela nos limita, visto que inúmeras coisas estão para além da nossa compreensão. E Deus, certamente, é alguém que está infinitamente para além da nossa compreensão, humanamente falando é claro. Por isso, Deus conhecendo-nos, decide em sua graça e postura sempre cavalheiresca, revelar-se, não de maneira exaustiva, mas de maneira verdadeiramente verdadeira. Portanto, o que sabemos e compreendemos de Deus foi aquilo que Ele mesmo decidiu falar sobre Si, por intermédio de Sua Palavra. 
            Todavia, ao falarmos sobre Deus, usamos nossa limitada linguagem, afinal, é a única que temos. Alguns por aí, dizem que falam línguas de anjos, mas isso é algo demasiadamente difícil de dar crédito, é uma subestimação da inteligência. Assim, usamos nossa linguagem e nossos sentimentos para expressar os sentimentos de Deus, é o que chamado de antropomorfia e antropopatia. Somos limitados em nossa linguagem e sentimento, mas é o que temos para falar sobre o Mistério chamado – Deus. Por isso podemos, sem ter medo de estar cometendo heresia, falar sobre os sonhos de Deus, Sua vontade, Seu querer, Seus desejos mais profundos.
            Muitos falam exaustivamente sobre Deus, contudo, mais do que ser falado, Deus tem que ser vivido na prática, no chão da vida, no cotidiano, nas lutas diárias, no trânsito, em casa, nos relacionamentos, nas conversas e no lazer. Em nosso mundo, muitos são religiosos de carteirinha, usando uma expressão católica romana, são verdadeiros papa hóstia e adoram discursar sobre religião, moral, enfim, sobre Deus etc, mas será que os sonhos de Deus estão dentro deles? Será que o querer e a vontade de Deus estão na profundidade do seu ser como uma chama que não se apaga? Como uma voz que não se cala? Será?
            E em relação a você, o que se pode dizer sobre esse assunto? Você carrega dentro de si os sonhos de Deus? Ou será que sua espiritualidade virou religiosidade domingueira rotineira e cansativa? Faça um teste e responda para si mesmo: quanto conheço de Deus? Quanto obedeço de Sua vontade? Quanta liberdade Ele tem para exigir mudanças comportamentais em mim? Quanto eu permito que Sua Palavra me leia e me molde e me conduza? Quanto eu me importo com os outros? Quanto eu me dedico à causa de Deus de fazer de Cristo Senhor de toda a vida? Quanto e como eu oro?
            Os crentes genuínos devem se apegar de tal modo a Deus que seus interesses, desejos e sonhos particulares se renderão aos sonhos dEle. E que esses sonhos possam ser considerados um tratado de vida agora e sempre! Para a glória dEle mesmo e para a satisfação da nossa alma. E que assim seja! E se assim não for, não valerá a pena seguir. Quando os sonhos de Deus entram dentro da gente, a vida nunca mais será a mesma!                                                    
                                                                                                           Pr. Laurencie 

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Mergulhando em Deus para poder mergulhar em si mesmo

“Por que vês o cisco no olho de teu irmão e não reparas na trave que está no teu próprio olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o cisco do teu olho, quando tens uma trave no seu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do seu olho; e então enxergarás bem para tirar o cisco do olho de teu irmão”. (Mateus 7.3 a 5)

“Levai os fardos uns dos outros e assim estareis cumprindo a lei de Cristo”
(Gálatas 6.2)

            Existem duas posturas que um ser humano pode assumir na jornada existencial: o auto-engano e autoconsciência. O auto-engano é aquela atitude teimosa e insistente tomada por alguns que se recusam a olhar para si mesmos com sinceridade, enxergar as falhas, os problemas, os vícios, as maldades que estão no fundo do próprio coração, as mazelas comportamentais da própria vida. Já a autoconsciência é aquela honestidade consigo mesmo e com os outros também, inclusive com Deus, de aceitar o que se é, com toda integridade e sinceridade, seja bom ou seja mau e assumir uma luta constante para ser melhor para Deus, para si e para os outros.
            Em geral, aquele que se auto-engana tende a ser muito duro e rígido com os outros. Isso é bem visível nos religiosos que foram pedra de tropeço no caminho de Jesus Cristo quando ele passou por aqui. Justamente por serem religiosos e cumprirem uma lista gigantesca de tradições, rituais e formalidades tais homens se gabavam de si mesmos e desprezavam os que não eram da sua corja. Não só desprezavam, mas também julgavam e condenavam o tempo todo, tendo um prazer estranho de punir e ver o sofrimento alheio. Aquele que se auto-engana não tem espelho em casa, ou seja, não se enxerga e justamente por não se enxergar minoriza ou desconsidera suas próprias falhas e faltas e se concentra, doentiamente, nas falhas e faltas dos outros. Insiste em tirar o cisco do olho do outro, mas não percebe que há uma trave no seu. Jesus dá um nome para isso: hipocrisia, isto é, o ato de fingir ser algo que não se é, assumir uma atitude de ator, e viver a vida como se esta fosse um palco.
              Já o que tem autoconsciência se vê, enxerga-se com sinceridade e por se ver, acaba olhando para os outros com mais tolerância. Creio que a autoconsciência não é fruto de um encontro consigo mesmo ou de sessões terapêuticas de psicologia profunda, mas é fruto de um encontro existencial com Deus. Só quem se encontra com Deus pode dizer: “miserável homem que sou, quem me livrará do corpo desta morte?” (Romanos 7.24). Ou dizer ainda: “ai de mim! Estou perdido; porque sou homem de lábios impuros e habito no meio de um povo de impuros lábios” (Isaías 6.5). Perceba que o profeta primeiramente olha para si, só depois atenta para o povo. Só quem se encontra verdadeiramente com Jesus pode afirmar com toda a convicção do seu coração: “afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador” (Lucas 5.8). Só quem se abriu honestamente para Deus e disse: “pequei contra Ti ”, (Salmo 51.4) e “eu nasci em iniquidade” (Salmo 51.5) pode também orar na simplicidade de ser o que se é e no anelo por ser mais para Ele: “ó Deus, cria em mim um coração puro e renova em mim um espírito inabalável” (Salmo 51.10). Certamente, a autoconsciência é um dos melhores remédios contra a arrogância.
            Infelizmente a religião, em geral, se tornou uma fonte de auto-engano, pois produz nas pessoas uma falsa sensação de virtude e segurança. Por isso que em muitos casos os religiosos adoram falar das suas proezas e do seu bom comportamento enquanto também falam mal do comportamento de outrem. Nada mais anticristão. A verdade é que por alguém ser religioso não significa necessariamente que tenha tido um encontro com Deus e Cristo. Pois um encontro com o divino deveria produzir humildade e não orgulho, um coração de carne e não de pedra, um olhar generoso sobre o outro e não um olhar cheio de rancor impiedoso e intolerante.
            Jesus não nega que haja um cisco no olho alheio, ele só ensina que para poder ajudar em verdade os outros é preciso primeiramente olhar com sinceridade para si mesmo, reconhecer as próprias faltas e os próprios descaminhos, ou seja, “tirar a trave do próprio olho”, para assim estender a mão, ajudar e se dispor a ser útil “para tirar o cisco do olho do outro”.
            Paulo escreve aos Gálatas: “se alguém for surpreendido em algum pecado, vós, que sois espirituais, deveis restaurar essa pessoa com espírito de humildade. E cuida de ti mesmo, para que não sejas tentado também” (Gálatas 6.1). O pecado é uma realidade em nossas vidas, em nossas igrejas e temos que aprender a lidar com ele. O julgamento não é o jeito bíblico de lutar contra esse problema. O jeito bíblico é: buscar ajuda em Deus que é gracioso e rico em perdão, olhar para si com integridade para não se achar bom demais, e assim, com espírito de humildade, restaurar aquele que caiu.
            Concluo dizendo que creio plenamente que a igreja do Senhor é uma comunidade de restauração. Ao longo da história da igreja cristã muitas pessoas não tiveram a oportunidade de serem restauradas pois foram desprezadas e excluídas. Pelo amor de Deus, chega disso! Vamos com amor e graça levar as cargas uns dos outros, sem julgamentos, sem condenações. Vamos deixar isso para quem entende do assunto: Deus que é o justo juiz. No caminho da graça a autoconsciência é uma necessidade básica. Busque isso em Deus. Em Cristo, tenho a liberdade e a coragem para dizer: cuide genuinamente de si, para poder cuidar verdadeira e desinteressadamente dos outros também. Kyrie Eleisson.                                                                                                                                                                                                                                                     Pr. Laurencie