segunda-feira, 26 de julho de 2010

TEOLOGANDO NO CHÃO DA VIDA





Podemos chamar de Teologia todo discurso, pensamento, conceituação, percepção sobre Deus. Toda pessoa tem uma teologia, isto é, tem uma forma de compreender a Deus. E vale ressaltar que o modo como uma pessoa compreende Deus é determinante no modo desta pessoa lidar com sua vida. Vale dizer ainda que existem teologias boas e teologias péssimas. Como diz um pastor conhecido meu: “teologia é igual a comida: se for boa, faz muito bem, mas se estiver estragada, pode até matar”. Como a teologia é tão importante na jornada da vida, vale a pena pensar com carinho nela.  
Para um cristão verdadeiro, só é possível fazer teologia a partir da vida, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré, ou seja, para o cristão o que importa é a teologia cristã. Assim sendo, o modo como um cristão compreende Deus é determinado essencialmente por aquilo que Jesus revelou sobre Deus. O próprio Salvador disse: “quem vê a mim, vê o Pai” (Jo 14.9). Por isso afirmo com toda convicção que uma teologia genuinamente cristã só pode ser feita sob a perspectiva da graça divina que Jesus revelou de maneira maravilhosa que as palavras são insuficientes para expressá-la.  
É importante dizer que a teologia é sempre uma construção humana, e por isso está sujeita a erros. Por isso deve ser feita com toda humildade, atentando sempre e com profundidade para a Palavra de Deus que é a fonte segura de revelação sobre Cristo, e por sua vez, sobre o Deus-Abba Pai.
 A minha teologia foi sendo feita a partir do meu encontro com Cristo, através da exposição da Sua Palavra a mim por meus pais e alguns amigos que caminharam e caminham comigo pela vida e também por alguns autores tais como Philip Yansey, Eugene Peterson, Martinho Lutero, Dietrich Bonhoeffer, Ed René Kivitz, Ricardo Gondin, Carlos Queiroz, René Padilha, Leonardo Boff, Carlos Mesters, Rubem Alves, Robinson Cavalcante, Julio Zabatiero e muitos outros que convidei, por meio da leitura, para serem companheiros da minha jornada.  A Palavra de Deus, meus amigos e esses autores me ajudaram a compreender que quando eu me entrego a Deus, Ele me manda de volta para os outros, isto é: para as pessoas, meus amigos, colegas, vizinhos, irmãos e irmãs, minha esposa, enfim, para o meu próximo. Em outras palavras, aprendi que não existe relacionamento unilateral com Deus. Ao me comprometer com Deus, estou concomitantemente me comprometendo com as pessoas. Amar a Deus implica necessariamente em amar o próximo.
Assim, afirmo que minha teologia é construída no chão da vida, na realidade, no contexto do cotidiano. Faço teologia, discurso e penso sobre Deus sem me esquecer dos pátios das escolas e das fábricas, dos corredores dos hospitais, daqueles que sofrem, daqueles que choram e são injustiçados todos os dias neste mundo mau. Minha teologia é fundamentada na graça de Deus manifestada plenamente em Cristo. Sem a graça nada faz sentido para mim. Assim, assumo o compromisso de me engajar na luta por um mundo melhor, porque acredito que a vida abundante não pode ser empurrada somente para depois da morte. Assumo o compromisso, pela graça, de ser misericordioso e perdoador porque Deus o é. Assumo o compromisso de abandonar o moralismo, formalismo, tradicionalismo, tudo aquilo que me impede de ver a Deus como Ele é. Este é o caminho que vou seguir, hoje e sempre.
                                                                                                                                Pastor Laurencie     

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Encontrando Deus numa sociedade em pedaços

"Naquela ocasião Jesus disse: "Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, pois assim foi do teu agrado. "Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar. "Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas". (Mateus 11: 25 A 29) 


Introdução
Hoje gostaria de refletir um pouco sobre a nossa sociedade à luz da palavra de Deus. Mas antes disso precisamos definir alguns termos. O que queremos dizer com “sociedade em pedaços?” É claro que quando pensamos a sociedade é possível fazer uma leitura sobre várias perspectivas. Por exemplo: uma leitura sociológica. Tenho aqui alguns dados só para se ter uma ideia. Os 20% mais ricos da população mundial consomem 93% de todos os produtos e serviços, enquanto os 20% mais pobres consomem apenas 1,4%. A diferença entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres do mundo cresceu muito nos últimos anos. Os 225 indivíduos mais ricos do mundo, dos quais 60 são norte-americanos, têm uma riqueza combinada de mais de um trilhão de dólares, igual à renda anual de 47% da população mais pobre do mundo. A conseqüência disso é que 850 milhões de pessoas passam sistematicamente fome e sobrevivem na insegurança alimentar, um terços destas não chegam aos 40 anos. Se pensarmos no Brasil, os dados são dramáticos também. Só mais um dado: 55,6 milhões de brasileiros vivem com menos de cem reais por mês. Quais são características bem marcantes da sociedade brasileira? Desemprego, violência, drogas, anarquia, rebeldia, família destruídas, massificação da cultura, uma sociedade, de fato, em pedaços, esmigalhada por suas próprias escolhas. O que acabamos de fazer é uma leitura um tanto quanto superficial através das lentes da sociologia. Fizemos uma rápida leitura da nossa sociedade através da sociologia e vimos que a coisa não é nada boa. Mas o que a teologia diz sobre a sociedade? E é aí que vamos centrar toda a nossa atenção.

Quando João escreveu sobre o mundo lá no final do primeiro século, ele disse assim: “Sabemos que somos de Deus e que o mundo todo jaz no maligno” (I Jo 5.19), o evangelista estava dizendo que o mundo está sob a forte influência do maligno, o mundo, com seus sistemas, com suas opções, com sua mensagem jaz no maligno. Paulo ainda diz “que o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo” (II Co 4.4). A bíblia diz o mundo está morto no maligno e está cego, está incapaz de ver o evangelho de Cristo. Está impossibilitado de sair do seu estado de corrupção e tristeza. Está impossibilitado de sair do seu estado de morte. Quais as características dessas pessoas que fazem parte desse mundo? Pense nas características de nosso tempo: depressão, tristeza, amargura, desilusão, busca acelerada na satisfação imediata (teologia da prosperidade), suicídio em alto número, alcoólatras em alto número, viciados em drogas como cocaína (alto número). Mercantilização de tudo. A marginalidade de milhões, miséria humilhante, ganância insaciável. A vida que se torna um peso quase que insuportável. Esta é a sociedade da qual fazemos parte. A característica do mundo na época que Jesus esteve por aqui, não era muito diferente do nosso tempo. Pois o homem pouco evoluiu eticamente. É possível encontrar Deus numa sociedade em pedaços? Ou será que vamos nos tornar Deístas? Se é possível, onde encontrá-lo e como?

Num primeiro momento Deus surge como ausência
Por mais paradoxal que isso seja, num primeiro momento Deus se cala, Deus se esconde. Jesus diz: “Eu te louvo o Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios”. (Mt 11.25). Do que Jesus está falando? Lucas 10.21 e 22 nos esclarece. Nesse contexto os discípulos estão maravilhados porque o reino está sendo pregado, e ele está se manifestando com poder a ponto dos demônios se submeter aos discípulos. Os apóstolos chegam estupefatos diante de Jesus porque o reino de Deus está superando as deficiências de uma terra de ninguém, onde as pessoas eram consideradas ninguém e diante da força do reino até as potestades se curvam. E Jesus se alegra em Deus porque ele escondeu essas coisas dos grandes, dos poderosos, dos sábios. No contexto de Mateus, cidades rejeitam a Jesus de Nazaré, cidades se mostram incrédulas, hostis, ao Senhor, mas alguns, chamados de pequeninos, de crianças, se abrem para Cristo. Jesus está dizendo que é impossível encontrar Deus na sabedoria humana, através do seu poder, pois Deus não é um objeto do mundo. Deus, é como diz o teólogo da Karl Barth, o “Totalmente outro”, o que é absolutamente transcendente, o que Paulo diz a Timóteo “Aquele que habita em luz inacessível”. Deus permite ao ser humano ser livre e fazer suas opções na história, o mundo é fruto dessas escolhas. Deus se mostra ausente.


Deus se revela
O texto não acaba no verso 25. Jesus afirma com convicção. Deus se escondeu. Mas se revelou aos pequeninos, as criancinhas, aos que não tinham entendimento, aos que eram desprezados, aos esquecidos, aos símplices. O texto está dizendo que cidades inteiras rejeitaram a mensagem do evangelho e rejeitaram a Jesus, mas Deus agiu poderosamente sobre os pequeninos. Aqueles que perceberam Jesus, aqueles que olharam para ele e compreenderam que a vida não podia acontecer longe dele, os pequeninos, os que não entendem de nada. Os que estão fora do páreo, os que são carta fora do baralho, os que ninguém dá valor. Deus se mostrou a estes.

Ilustração
Uma criança quando pronuncia Pai ou Mãe, ela não sabe o que isso significa, ela não consegue definir o sentido da palavra pai ou palavra mãe, ela só sabe para onde tem que correr, ela sabe para os braços de quem tem que ir. É disso que Jesus está falando, só vê Deus no mundo, aqueles que sabem para os braços de quem tem que correr, elas não sabem definir Deus, elas se recusam a isso, elas não querem compreendê-lo, só querem vivenciá-lo, experimentá-lo, senti-lo, descobri-lo mesmo numa sociedade em pedaços. Esses são os pequeninos.


Deus surge como uma nova possibilidade, como um contra-mundun, como esperança
As sociedades na antiguidade, na modernidade, na pós-modernidade têm propiciado a criação de um tipo de vida, de um tipo de história, de um tipo de escolha, um tipo de caminhada, um tipo de opção que não é a opção de Deus. Este mundo assim, não é da vontade de Deus, não está em sintonia e harmonia com os princípios do reino de Deus. Por isso que Jesus ensina, independente das circunstâncias, do momento, entre no quarto, feche a porta e clame ao Pai, para que o reino venha. Este mundo produz gente machucada, perdida, em pedaços, aos cacos, sobrecarregadas, cansadas. E daí Jesus surge como uma nova possibilidade, como uma nova esperança. O mundo contribuiu para que você vivesse no caos, eu, entretanto, convido-os, venham até a mim. Assim como vocês estão. Sobrecarregados, oprimidos, sem possibilidades, pois eu os aliviarei. A vida não precisa ser um fardo insuportável pois o meu fardo é leve, eu me atrelo à sua vida (jugo) para que você possa caminhar. Portanto, aprenda de mim. Você encontrará descanso para a sua alma. Jesus numa terra de ninguém surge como esperança, mesmo numa sociedade em pedaços é possível ter a certeza de que Deus se importa comigo e que intervém na história, mesmo que isso não esteja nos noticiários, nos artigos científicos. Enfim, Deus está trabalhando, e portanto, não é o relojoeiro esquecido do Deísmo. Ele intervém no mundo.


Conclusão
Deus se revelou, meu caros, Deus decidiu se mostrar, e Ele faz isso de forma abundante e suprema em Jesus. Jesus sempre surge como uma possibilidade de saída, de escolha, a palavra do mundo não é a palavra final. A sociedade enaltece o orgulho, mas Jesus ensina-nos a buscar a sua humildade, a sociedade fala de poder, Jesus nos ensina a buscar a sua mansidão. Os sábios do mundo negam a existência de Deus, e a palavra de Deus ensina que ele se mostra aos pequeninos. Busque a Jesus com toda intensidade do seu ser, ele é a revelação máxima de Deus, Ele é o sim de Deus ao humano, ao mundo, Ele é a reconciliação de Deus com o mundo, Ele é a possibilidade, Ele é a esperança. Você terá que caminhar na contra-mão do mundo, na contra-mão do sistema. T.S. Eliot disse: "num mundo de fugitivos, a pessoa que vai na direção oposta sempre dará a impressão de estar fugindo". Portanto, mesmo que pareça loucura, enquanto a sociedade escorrega, vou orar e trabalhar para que o reino de Deus avance. O mundo contemporâneo nunca representará uma ameaça á ação de Deus. Deus está sempre presente, em todos os momentos, em todas as situações e contextos, sempre (Salmo 139 prova isso). Deus nos ajude a enxergá-lo. Amém.



Sonhos de Pastor

O poeta português Fernando Pessoa disse que o ser humano é do tamanho dos seus sonhos. Se esta afirmação for verdadeira na sua completude, o que duvido, então estou bem, porque tenho muitos sonhos. Sonhos para mim, para minha família, para meus futuros filhos, que terei com minha esposa, se Deus assim o permitir, e eles terão cabelinhos enroladinhos assim como os meus, se Deus quiser. Sonhos para o meu ministério como pastor. Enfim, é preciso aceitar que os sonhos são parte importante da existência humana. Pensemos nessas coisas.

Segundo Benjamin Franklin, se um homem pudesse ter metade dos seus desejos realizados, teria mais aflições do que prazeres, e ele tem plena razão. Nem todo sonho é bom, mesmo porque, o ser humano é marcado pelo pecado e isso resulta em egocentrismo, individualimo, egoísmo, ganância e assim sendo, os próprios sonhos ficam contaminados.

Talvez você pense que os sonhos dos pastores são parecidos, tipo: fazer com que a igreja tenha tanta gente que saia pelo ladrão, ter um nome famoso e ter influencia na denominação, ser conhecido no bairro, na cidade, no país. Mas advirto que as coisas não são bem assim. Pela Palavra e pelo Espírito sabemos que há coisas mais importantes do que essas. É obvio que todo pastor gostaria de ver na igreja que pastoreia mais gente se achegando, mais crianças, mais adolescentes, mais jovens, mais famílias, mais batismos, mais cálices na hora da ceia, mais bancos ou cadeiras, mais gente ouvindo as preleções, mais músicos, mais ministérios em funcionamento, mais gente nos cultos de estudo bíblico e oração etc. Mas o ministério não deve se limitar a isso.

É verdade que nem sempre os sonhos se realizam do jeito que a gente quer. É preciso aceitar o fato que existe uma distância entre o sonho e a sua realização, e às vezes, a distância tende ao infinito. Além disso, infelizmente, nem sempre a gente sonha as coisas certas; pode até ser que os sonhos não tenham respaldo na Palavra. E isso significa desperdício de esforço e de tempo. Se assim for, é como se dispor a fazer uma viagem, sabendo que Deus não vai estar junto na jornada. Isso nos lembra a história de Israel em peregrinação para a terra prometida. Deus assim disse para Moisés: vai para uma terra que mana leite e mel, mas não irei no meio de ti. (Ex 33.3). Moises respondeu ao Senhor: “Se Tu mesmo não fores conosco, não nos faças subir daqui” (Ex 33.15). Moisés sabia muito bem que ir a qualquer lugar sem Deus, mesmo que seja a terra prometida, não valeria a pena. Sendo assim, o grande segredo é sonhar os sonhos que agradam a Deus, e nos quais Ele esteja incluído.

Se assim for, todo esforço valerá a pena, mesmo porque não importa só a realização dos sonhos, mas também toda a caminhada e processo até que eles se cumpram e concretizem. De que adianta realizar os sonhos em relação a comunidade chamada igreja, se muitos vão sendo deixados e vão sendo massacrados no meio do caminho? Faria Deus parte disso?

Eu como pastor sonho sim com o crescimento da igreja, sonho com o dia em que todos os cultos sempre tenham mais gente do que bancos vazios, sonho com o dia em que nenhum membro da comunidade agirá como visitante na sua própria igreja. Sonho com o dia que cada membro agirá como protagonista da sua própria espiritualidade e crescimento, vendo a si mesmo como ministro do Senhor. Mas além desses sonhos de pastor, eu sonho principalmente em caminhar dentro da vontade de Deus, usando uma linguagem antropopática, eu quero sonhar os sonhos de Deus, afim de que eu gaste meu esforço, meu trabalho, minha dedicação naquilo que alegra o coração de Deus.

Sendo assim, mesmo que os sonhos estejam distantes da realização, não haverá barreiras que poderão nos desanimar. O cantor popular disse que sonho que se sonha só, é só um sonho, mas sonho que se sonha junto, é realidade. Acho que ele tem razão. Sonhemos, então, juntos, unidos e com um mesmo sentimento bons e belos sonhos. Que Deus, Aquele que opera em nós o querer e o realizar, guie-nos, ajude-nos e nos sustente. Amém.

Pastor Laurencie

sexta-feira, 2 de julho de 2010

FORMA x ESSÊNCIA

Uma igreja que tem em si o anseio por ser relevante no contexto que está inserida precisa conhecer muito bem a diferença entre forma e essência. Uma confusão em relação a esses termos pode causar muitos problemas e pode prejudicar a igreja no cumprimento da sua tarefa. Era sobre o forma e essência que Jesus estava falando quando disse: Não se põe vinho novo em vasilha de couro velha, se o fizer, a vasilha rebentará, o vinho se derramará e a vasilha estragará. Ao contrário, põe-se vinho novo em vasilha de couro nova; e ambos se conservam (Mateus 9.17). Vamos pensar um pouco nessas coisas.

Jesus está mostrando que existe grande diferença entre vinho e a vasilha que se coloca o vinho. Para você compreender bem, esclareço: o vinho novo representa a mensagem do Reino de Deus, que se apresentada ao mundo através de Cristo, em rápidas palavras, é o evangelho da graça de Deus. Um texto bem sugestivo em relação a isso é o que se encontra em João 2, e fala da transformação da água em vinho. O veredicto do texto é que o vinho novo apresentando por Jesus é bem melhor e superior ao vinho antigo, que era representado pela religião judaica com seus costumes e ritos. No texto citado do evangelista Mateus, o Senhor mostra que para o vinho novo que está sendo apresentado é preciso uma vasilha nova, uma estrutura nova, um molde novo, um paradigma novo que seja mais coerente, mais resistente, mais contextualizado, assim, nas palavras de Jesus, ambos se conservam.

Talvez esteja se perguntando: “O que isso tem a ver com a igreja?” E eu respondo: “Tem tudo a ver”. Afinal, a igreja precisa discernir o que é vinho e o que é vasilha, precisa compreender o que é forma e o que essência para saber como atuar no mundo. Vou exemplificar para esclarecer melhor: cada igreja tem o seu “jeitão” de fazer as coisas, sua cultura, sua liturgia, a maneira como as pessoas se portam dentro do templo na hora do culto, o hinário, o estilo de pregação, a disposição dos bancos etc. Tudo isso é forma, é o jeito de ser de uma igreja. Cada igreja tem a sua forma, o seu paradigma. Se você for num culto pentecostal o paradigma é um, numa igreja tradicional, obviamente, é outro. E numa igreja neopentecostal é outro completamente diferente dos anteriores. Faça uma comparação entre uma igreja batista de 20 anos atrás e uma igreja batista de hoje, e perceba como as formas e os paradigmas são diferentes.

A crise acontece quando os crentes confundem forma com essência. Eles tornam sagrado (sacralizam) a forma como se fosse essência. A essência da igreja está em viver, transmitir e retransmitir o evangelho de Cristo através da sua prática, dos seus valores, dos seus princípios. Isso é a verdadeira essência da igreja, esse é o seu conteúdo. Agora, o “jeitão” da igreja fazer as coisas, sua cultura, sua liturgia, sua música, os instrumentos musicais usados no cultuar, o ritmo, a maneira de estar e participar dos cultos, o estilo das pregações, a disposição dos bancos, tudo isso é forma, é modelo, é um paradigma, e portanto, são relativos e estão sujeitos ao tempo, e em muitos casos, carecem de transformações.    

Jesus bem que ensinou: tempo novo, forma nova, paradigma novo. O fato é que muitas pessoas são contra as mudanças na igreja, e seu pecado está, justamente, em confundir forma com essência. Eu acho até engraçado: muitos têm na sua casa uma TV LCD, DVD, celular de última geração, geladeira frost free, microondas, liquidificador, ar condicionado, notebook, mp3, mp4, ipod, carro com direção hidráulica, injeção eletrônica, air bag etc, mas em relação à igreja, não aceitam as mudanças. Acolhem as mudanças que a tecnologia e os novos tempos lhes oferecem, mas em relação à igreja, desprezam a novidade. Pense e responda: é de rir ou é de chorar? 

Concluo dizendo: meus caros irmãos e irmãs fiquem atentos, forma é uma coisa, essência é outra. A forma não pode ser desprezada, ela é importante. Sem odres não se pode servir o vinho. Contudo, a forma deve estar sujeita a essência. As boas novas de Cristo sempre são inovadoras e carecem de paradigmas novos, “jeitão” novo, modelos novos, que sejam contextualizados, mas que não firam a Vontade de Deus. As formas servem a igreja, e devem ser trocadas sempre que for necessário. A essência permanece, mas as formas vêm e vão. Não confunda a forma da igreja com a essência do evangelho de Cristo. Alguém uma vez disse: a única coisa que é constante é a necessidade da mudança. Eu acho que ele tinha razão. Pelo menos quando o assunto for forma, paradigma, estrutura. Que o Senhor das Boas Novas nos ajude construir uma forma, uma estrutura, um paradigma para a  igreja contemporânea que não atrapalhe a essência. E que assim seja!  
                                                                                                                                       Pastor Laurencie

sábado, 5 de junho de 2010

SAUDADES DE UM TEMPO QUE NUNCA EXISTIU



 “Quando eu era menino, falava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino” (I Coríntios 13.11).

“Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar” (Eclesiastes 3.1 e 4).

A Bíblia nos ensina que a vida é veloz, rápida, frágil, vulnerável. Nas palavras do salmista é como a relva que brota ao amanhecer, germina e brota pela manhã, mas, à tarde, murcha e seca. Com certeza, nós podemos concordar com essa frase, pois vivenciamos isso na própria pele. Meu Deus! Eu fico a pensar: como a vida tem passado rápido – ontem estava jogando bola na rua, e hoje estou aqui sentando à frente do meu computador pensando em escrever algo que seja abençoador para os meus irmãos. Ontem estava na escola assistindo aula e entendendo pouca coisa, hoje, sou professor e continuo entendendo pouca coisa. Ontem poucas responsabilidades, hoje, excesso de responsabilidades. É verdade, temos de admitir, a vida caminha veloz.

Às vezes, por ledo engano, ou por descuido, ou por tristeza ou decepção no aqui e agora da vida, alguns olham para trás, e têm a impressão, que lá naquele tempo eram felizes e sabiam. Era lá que as coisas aconteciam para o bem. Era lá. E são, assim, levados pelos caminhos da memória a olhar para vida com nostalgia. Saudades. E a impressão que lá naquele lugar, naquele tempo, tudo estava no devido lugar, tudo era feito da melhor maneira. Pensam consigo mesmo: naquele tempo os jovens respeitavam os mais velhos, os crentes levavam sua fé com mais seriedade, o pastor era mais rígido, mais moralizador, os crentes estudavam mais a Bíblia. No templo, o silêncio era quase absoluto. Nada de celular tocando aqui e ali. E as músicas eram só do Cantor Cristão. Aliás, um colega meu, uns dias atrás, tirando um sarro nos crentes de hoje, disse que o único cristão que restou na igreja foi o cantor, o Cantor Cristão. Infelizmente alguns pensam isso mesmo. Contudo, afirmo com convicção, estão enganados. Foram persuadidos por sua própria memória.

É preciso admitir que a memória é seletiva. Ela não guarda todos os fatos, acontecimentos, todas as sensações vividas e experimentadas. Não. Nada disso. Ela seleciona os fatos vividos. E por isso temos a sensação que lá no passado que a vida era boa, lá na infância, ou na juventude. Nada de mal em recordar as coisas do passado. Alguns até dizem que recordar é viver. Todavia, a vida em todos os momentos é dialética. Ela coaduna coisas boas e ruins em todas as etapas. Ninguém é 100% alegre ou 100% triste durante a jornada da existência. Existem, sim, alegrias que se misturam com tristezas, sorrisos que se entrelaçam com lágrimas, pulos de alegria com raiva e decepção. Sonhos realizados com frustrações, e assim a vida vai percorrendo o seu caminho. Se você pensar com sinceridade, entenderá e aceitará que a vida lá trás não era quase uma perfeição, era, simplesmente, vida. Vida na normalidade e na naturalidade. Vida que traz junto de si coisas boas e ruins em todos os tempos e ponto.

Creio eu que um dos grandes segredos para se viver bem, ou seja, em saber lidar com o passado de uma forma sincera e realista, em saber desfrutar do presente e olhar esperançosamente para o futuro, está na palavra contentamento. Tal palavra deriva-se do latim contentu (contido) e sugere a ideia de conteúdo. Assim sendo, viver com contentamento é ser capaz de usufruir o conteúdo da realidade na qual se está inserido. Por Deus ser graça pura e benevolência infinita, existe a possibilidade, em qualquer circunstância, do contentamento acontecer.

É preciso concordar com os autores bíblicos quando afirmam que há tempo para tudo, há tempo de ser criança e viver a infantilidade, e há tempo de crescer e deixar as coisas de criança. Há tempo de chorar e de rir, há tempo de prantear e há tempo de celebrar, festejar, dançar. A grande questão é que devemos aprender a aproveitar os momentos, a expressão carpe diem mostra isso e surge como convite: aproveite o momento! Portanto, não fique amargurado por estar envelhecendo, afinal, só envelhece quem está vivo. Não fique olhando para o passado, achando que a felicidade só existia lá. Não. Definitivamente não! Convido-o a buscar sabedoria em Deus para poder viver bem, e assim, aproveitar, curtir, e encontrar boas razões para celebrar o momento presente com confiança Naquele que é o inventor da vida.  Que Deus, Aquele que afeta a vida em todos os instantes, possa abrir os nossos olhos a fim de que possamos enxergar a Vida que brota da Sua graça. Amém.
                                                                                                                        Pastor Laurencie 

sábado, 15 de maio de 2010

CONFISSÕES DE UM PASTOR

Se déssemos uma boa olhada na história do povo evangélico no Brasil a uns cinqüenta, quarenta ou trinta anos atrás, ficaríamos surpreendidos com a visão que se tinha dos pastores:  homens de profunda respeitabilidade, confiança, uma referência para as famílias, seus conselhos eram acatados sem muita discussão. As pessoas olhavam para esses homens e diziam: “Eis aí um grande exemplo de honestidade e integridade”. O pastor era o exemplo de espiritualidade, um verdadeiro sacerdote no sentido vétero-testamentário, com muita autoridade, muito poder e muita aceitação.

Todavia os anos passaram e muita coisa mudou, a sociedade mudou, os padrões morais e valores éticos mudaram, pelo menos a forma de olhar para eles, as famílias mudaram, o jeito de educar filhos mudou, o conceito de autoridade já não é levado muito em conta, as escolas mudaram. Como diz o cantor popular: “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”. Consequentemente, a igreja sofreu mudanças e o olhar sobre os pastores também. Mas não foi só o olhar sobre os pastores que mudou, eles também mudaram. Muitos, inclusive, tornaram-se padrão de não-exemplo, não-referência, não-espiritualidade. Hoje os pastores honestos, íntegros, de boa fé são a exceção e não a regra. Que triste! Eu fico pensando: “Meu Deus, como ser pastor, num tempo assim, num mundo onde tudo é olhado com desconfiança? Onde os valores absolutos da ética foram lançados por terra, e o conceito de autoridade está em crise, seja numa empresa, casa ou igreja? Como ser pastor aqui e agora?”. Não culpo a ninguém, afinal, eu não sou o juiz da história. Apenas, lamento.

Diante desse quadro apresentado, muitos medos surgem diante de mim e em mim. Mesmo porque, apesar dos maus exemplos, ser pastor é algo muito sério e de profunda responsabilidade. Pastorado não é profissão, é vocação, chama-mento. Uma pessoa decide ouvir a voz divina para ser pastor não por causa do poder, visto que Jesus ensinou: “Quem quiser ser o maior, que seja, então, o menor, o servo”. Veja bem: servo e poder não são coisas que combinam. Muito menos por causa da autoridade, pois os referenciais de autoridade praticamente não existem nas sociedades pós-modernas. Alguém decide ser pastor devido a uma chama, “chama-mento”, que arde em seu coração, uma chama que queima tudo, e até incomoda, uma vez que, de certa forma, tira até a paz. Tira o sossego, o sono. Não que isso seja ruim, afinal, vem do céu, vem do alto. Fato é que Deus em sua graça, convoca algumas pessoas para servirem as outras, para serem mentores espirituais, encorajadores, companheiros de jornada, profetas da modernidade, proclamadores do evangelho puro e simples do Senhor Jesus Cristo.

Como já disse: é muita responsabilidade e demasiado peso sobre os ombros. Por isso os medos surgem. Medo de se calar não hora que a verdade precisa ser dita, medo de falar na hora em que silêncio deveria imperar, medo de falar demais, medo de falar de menos, medo de cair no ativismo, medo de ser passivo demais, medo de agradar, medo de desagradar, medo de não ser forte o suficiente, medo de não ser perseverante o suficiente, medo de não ter coragem suficiente. Medo de  ser um excelente pastor e cair no orgulho, medo de ser um mau pastor e cair no esquecimento. Simplesmente, medo de fracassar. Medo de andar nos caminhos da arrogância e auto-suficiência. Medo de valorizar demais o que não é pra ser valorizado demais, medo de cair numa rotina de religiosidade e não-espiritualidade, medo de pensar que o evangelho é algum tipo de lei, medo de dar espaço para o moralismo, medo de não agir de acordo com os princípios da graça. Medo, medo e medo...

Talvez você esteja dizendo a si mesmo: “que pastor medroso, como posso confiar nele?”. Na verdade, não sou medroso, sou humano, demasiadamente humano. Cheio de angustias existenciais como qualquer um. Quem não tem medos que atire a primeira pedra. Sabe, agora, neste exato momento que estou escrevendo essa pastoral, olhei para minha estante de livros e vi um intitulado: “O despertar da graça” de Charles R. Swindoll. Decidi pegá-lo e abrir no capítulo chamado: “Você é um ministro da graça?” As palavras de Swindoll me fizeram lembrar de outro texto: um texto paulino o qual diz: “Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém de Deus e não de nós [...] Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia”.

Essas palavras fizeram meus medos se calarem por alguns instantes. Provavelmente eles vão voltar mais tarde. Mas estou plenamente convicto que sou vaso de barro, pequeno, frágil, cheio de medos, dúvidas e Deus, apesar de tudo, continua sendo gracioso, benevolente, poderoso e escolhendo pequenos vasos para fazer a sua obra. Acho que vou deixar meus medos de lado e vou descansar no poder divino, vou me dispor a ser ministro da graça, e a ser forte em meio à fraqueza, em Deus. Convido-o a fazer o mesmo, pois você é tão vaso de barro quanto eu sou. Nunca se esqueça disso: Deus só trabalha com vasos de barro para que a glória seja toda Dele. E que assim seja!                                                                 Pastor Laurencie

terça-feira, 27 de abril de 2010

FÉ, TRABALHO E COLHEITA

“Aquele que sai chorando enquanto lança a semente, voltará com cantos de alegria, trazendo os seus feixes”. Pra quem não se recorda, faço questão de lembrar: a referência deste versículo é Salmo 126.6, texto, por sinal, belíssimo e que será o versículo tema para nossa reflexão de hoje. Atentemos para suas lições.

O texto escrito pelo salmista o qual, provavelmente, viveu nos tempos do cativeiro babilônico apresenta uma promessa. Mas aperceba-se que não é uma promessa para todo tipo de gente, é uma promessa para um tipo de gente, e somente este tipo. O texto diz: “aquele que sai chorando enquanto lança a semente”. Viu? Entendeu? Compreendeu? A promessa é para aquele que sai, e sai fazendo duas coisas: chorando e lançando a semente.

O choro, com certeza, refere-se às dificuldades, às duras penas, às complicadas exigências, às barreiras enfrentadas, às decepções, aos gritos por socorro, e pedidos de ajuda, e ainda, ao cansaço da labuta por parte daquele que deixou um estado de conforto, de berço esplêndido, de pleno sossego para ousar lançar a semente. Resumindo: o choro é fruto do suor do trabalho daquele que saiu do conforto, levantou-se, preparou-se e foi lançar a semente.  É como alguém já disse: “enquanto Deus trabalha, nós suamos”. E eu acrescento: e choramos também. O choro é resultado do demasiado esforço, o choro é resultado da não desistência diante dos problemas e dificuldades, o choro é fruto da perseverança, o choro é fruto da luta, labuta, garra, disponibilidade, disposição de trabalhar para Deus, para o Reino.

A promessa, portanto, é para quem trabalha, seja debaixo de sol ou de chuva, seja no verão ou no inverno, com dor ou sem dor, na alegria ou na tristeza. Talvez esteja surgindo na sua mente algumas dúvidas: que tipo de trabalho? E que promessa é esta? Para respondermos essas perguntas precisaremos recorrer ao contexto do texto. Pois texto sem contexto, vira pretexto.

O salmo 126 mostra o sentimento daqueles que estão voltando do cativeiro para sua terra depois de 70 anos fora de casa, longe do lar. Por isso o salmista diz: “quando o Senhor trouxe os cativos de volta a Sião, ficamos como aqueles que sonham”. E diz mais ainda: “nossa boca se encheu de riso e cânticos de alegria”. A alegria da volta do cativeiro é tão grande que contagiou os outros povos e eles diziam: “Grandiosíssimas, belíssimas, fantásticas coisas fez o Senhor por estes”. Note: o contexto do texto se refere a restauração de uma nação, a reconstrução da vida depois de tempos (muito tempo, por sinal) de dor e decepção. O texto trata da reinvenção de um povo, mediante a ação de Deus na sua história, por isso diziam com toda a força no coração: “Grande coisas fez o Senhor por nós”.

Assim sendo, seguindo e segundo esta perspectiva entendemos que o trabalho aqui se expressa na luta pela restauração do povo, e para que isso aconteça é preciso enfrentar o sol causticante para lançar as sementes da restauração, da fé, da esperança. Mesmo que isso cause dor e provoque o choro. Note e anote que a restauração é fruto de uma parceria de Deus e daqueles que ousam e têm a coragem de lançar preciosas sementes. Paulo disse acertadamente que de Deus somos cooperadores. Que nós, eu e você, pela misericórdia de Deus, tenhamos plena convicção que somos cooperadores Dele. Que honra! Que privilégio! Que graça!

Por último, depois da fé exercida e do trabalho vem a época da colheita da restauração. Esta é uma trilogia que tem de ser abraçada com toda a força pela igreja, pelas pessoas – fé, trabalho, colheita. A promessa do verso 6 do Salmo 126 é justamente a colheita. Quem sai chorando e lançando preciosas sementes vai, com a certeza que flui do céu, colher, e colher mais e colher mais ainda frutos preciosos. Utilizando a linguagem do salmista, vai trazer os seus feixes, seus molhos, sua porção.

Este é o nosso desafio: com fé, trabalho duro, e com dedicação lançar preciosas sementes. Sementes de amor, paz, união, graça, misericórdia, justiça, ânimo, alegria, esforço, perseverança, perdão, humildade. Se assim o fizermos, com a ajuda de Deus, teremos uma excelente colheita. Afinal somos parceiros. Em nome de Cristo e para glória de Cristo inclua-se hoje mesmo na lista dos semeadores de Deus. Lembre-se: a promessa da colheita é para estes, e somente estes. Amém.
                                                                                                                        Pastor Laurencie